“Você pode ter um ano excepcional, mas pode repeti-lo, repeti-lo de novo, repeti-lo novamente? Parece que ele pode, mas até que o faça é difícil colocá-lo nessa categoria, dos grandes atacantes.”
O autor dessa frase é Rio Ferdinand, um dos grandes zagueiros do futebol inglês, astro do Manchester United, clube que defendeu de 2002 a 2014, conquistando 13 títulos.
Ferdinand, que esteve nas Copa do Mundo de 2002 (Coreia/Japão) e de 2006 (Alemanha) e pendurou as chuteiras em 2015, comentava (ele é comentarista televisivo na BT Sport) sobre Erling Haaland, 22, o norueguês do Manchester City que é atualmente o melhor centroavante do mundo.
O loiro e grandalhão Haaland, de 1,94 m, não de hoje, tem jogado demais. Após passagens por Molde (Noruega), Salzburg (Áustria) e Borussia Dortmund (Alemanha), pelo qual foi o artilheiro da Champions League em 2020/21, defende o Manchester City.
O time treinado pelo espanhol Pep Guardiola lidera o Campeonato Inglês, está nas semifinais da Liga dos Campeões (duelará com o Real Madrid) e na decisão da Copa da Inglaterra (o rival será o Man United).
Em sua primeira temporada na Inglaterra, Haaland está sendo fantástico. Marcou 35 gols em 31 partidas (mais de um por jogo) e quebrou o recorde da Premier League (como o Inglês é chamado desde 1992), pertencente a Andy Cole (34 gols em 1993/1994 pelo Newcastle) e a Alan Shearer (os mesmos 34 pelo Blackburn em 1994/1995).
O norueguês ainda tem mais cinco jogos a disputar (escrevo antes do deste sábado, contra o Leeds) e pode ampliar esse número. Não chegará, contudo, ao recorde histórico do Campeonato Inglês, estabelecido em 1927/28 por Dixie Dean, do Everton: 60 gols em 39 partidas.
Haaland também é o principal goleador da Champions 2022/23, com 12 gols em oito jogos, sendo cinco deles no 7 a 0 contra o alemão Leipzig no confronto de volta das oitavas de final, em Manchester. Uma performance de gala, que poderia ter sido mais fabulosa ainda se Guardiola não o substituísse aos 18 minutos do segundo tempo.
O camisa 9 mostra-se um prodígio devido à rapidez com que alcança marcas. Na Champions, ninguém chegou aos 30 gols tão rápido –precisou de 25 jogos. Já são 35 gols (em 27 partidas), média de 1,3 por jogo. Estupendo.
Ainda “crianção”, adepto de diversões eletrônicas, Haaland tenta não ficar seduzido com o estrelato cada vez mais iminente.
“Não posso continuar pensando nesses recordes ou vou enlouquecer. Vou para casa jogar videogame!”, declarou depois do 35º gol na Premier League, na quarta-feira (3), contra o West Ham, num belo toque de pé esquerdo (o bom) que encobriu o goleiro Fabianski.
Os recordes e os gols colocam Haaland, merecidamente, no topo da lista dos atacantes nesta segunda década do século 21. Supera inclusive o badalado francês Mbappé, vice-campeão na Copa do Mundo do Qatar e artilheiro do Campeonato Francês com “só” 23 gols em 29 jogos.
O português Cristiano Ronaldo, 38, que vai chegando ao fim de sua carreira no obscuro futebol da Arábia Saudita, é goleador histórico da Champions League, com 140 gols em 183 partidas, média de 0,77.
O caminho de Haaland para alcançar o CR7 o principal interclubes europeu é longo, mas no atual ritmo a possibilidade é real. E é importantíssimo registrar isto: “no atual ritmo”.
Haaland continuará em altíssimo nível? Esse é o questionamento, pertinente, de Ferdinand, que ao citar os melhores avantes que enfrentou elencou Ronaldo Fenômeno, Lionel Messi, o holandês Dennis Bergkamp e o espanhol Raúl González.
Lá atrás, quando Cristiano Ronaldo e Messi, por exemplo, despontaram (e mesmo Pelé, Garrincha, Maradona, Cruyff, Beckenbauer, Zidane…), quem poderia atestar que eles seriam as principais estrelas do futebol por uma longa sequência de anos, monopolizando os prêmios de melhor do mundo por uma década e meia?
Podia-se sim prever, apostar, como houve previsões e apostas em relação a dezenas de outros que naufragaram pelo caminho, porém apenas um elemento teria (e continua tendo) a capacidade de dar resposta indubitável sobre qualquer jogador: o tempo.
Haaland tem sido espetacular, mas somente a manutenção de seu desempenho, ano após ano, conquistando títulos (e prêmios individuais) e aproximando-se dos números (ou superando-os) dos grandes goleadores de hoje e de ontem, será capaz de colocá-lo de forma permanente na galeria dos maiores atacantes da história do futebol.
A excelência, a glória, a distinção do jovem norueguês virá unicamente desta forma: pela repetição. Se Haaland chegará lá, ele, o tempo, também conhecido como “o senhor da razão”, é quem dirá.
A depender da vontade do artilheiro, que não pretende frear a sanha goleadora, esse mesmo tempo lhe dará razão algum dia.
É o que se pode deduzir de texto que Haaland postou em rede social, possivelmente depois de ter se esbaldado no videogame. “Trinta e cinco gols na Premier League. Muito obrigado a todos pelo apoio, nada acontece sem vocês. Não paramos por aqui!”