Na última quarta-feira (20), poucas horas antes de falar na TV sobre o endurecimento das leis de imigração na França, Emmanuel Macron se reuniu em Paris pela primeira vez com o líder da oposição alemã, o conservador Friedrich Merz, para discutir, entre outros temas, justamente a migração no continente europeu.
A medida havia sido aprovada no dia anterior pela bancada governista da Assembleia Nacional —equivalente à Câmara baixa do Parlamento francês—, com o apoio do ultradireitista Reunião Nacional e após árduas negociações com a oposição que levaram semanas.
Antes de entrar em vigor, a nova lei precisa do aval do Conselho Constitucional. Para a líder do Reunião Nacional, Marine Le Pen, trata-se de uma “vitória ideológica”. “Os deputados de Macron não podem mais nos acusar de querer priorizar os franceses. Eles mesmos decidiram isso agora”, disse ela.
Oposição defende curso semelhante na Alemanha
Em Paris, Merz não quis comentar a lei de imigração francesa. Dentro de seu próprio partido, O CDU (União Democrata Cristã), contudo, o líder da oposição alemã defende uma política de imigração mais rigorosa, seguindo lógica parecida com a dos franceses, que querem restringir o acesso de alguns estrangeiros a benefícios sociais.
Essa é, também, uma agenda dO ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), com quem, porém, Merz diz que o CDU descarta qualquer tipo de colaboração.
Na França, a votação de terça-feira fez surgir um debate sobre o tamanho da influência que a ultradireita já exerce sobre a política do governo. Antecessor de Macron, o ex-presidente François Hollande criticou a articulação do governo. “Mesmo que o presidente Macron e o governo não tenham contabilizado os votos do Reunião Nacional, eles adotaram as ideias do partido”, afirmou ao Le Monde.
“A lei não trai nossos valores”, defendeu-se Macron ao discursar na TV. Ele, que se reelegeu em 2022 sob a promessa de barrar a ascensão da ultradireita, argumentou que, para isso, era preciso “abordar os problemas que alimentam o Reunião Nacional”.
A Europa vira à direita
O endurecimento da política migratória é um assunto discutido em muitas capitais europeias. Em Londres, o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, está atualmente sob pressão de seu partido por causa disso, já que a imigração não diminuiu apesar do Brexit.
Enquanto muitos governos ainda debatem a questão, os países nórdicos saíram à frente e já endureceram suas leis.
Na Dinamarca, a primeira-ministra Mette Frederiksen tem adotado uma linha mais restritiva desde que assumiu o cargo, em 2015, dificultando processos de reunião familiar –quando um imigrante que já vive no país solicita visto para parceiro, pais ou filhos–, diminuindo o pagamento de benefícios em dinheiro e aprovando uma “lei dos guetos”, segundo a qual um bairro não pode ter mais de 30% de “estrangeiros não ocidentais”.
Coincidência ou não, o desempenho nas urnas do Partido Popular Dinamarquês, da direita populista, despencou de 21% em 2015 para 2,6% no ano passado, o que o deixa agora no mesmo patamar de uma sigla nanica. Suécia e Finlândia também endureceram sua política migratória após populistas de direita ganharem espaço no tabuleiro político dos dois países.
Cidadãos insatisfeitos com política de imigração
Pesquisador sobre o populismo, o francês Dominique Reynié, da Sciences Po, aponta também para o caso da Holanda, onde o populista de direita Geert Wilders teve uma vitória surpreendente nas eleições parlamentares em novembro.
“Os eleitores na Europa”, disse em uma entrevista ao jornal Le Figaro, “exigem há 25 anos a mesma coisa: uma política de imigração baseada em seleção e integração. E na expulsão dos que ferem os valores de liberdade, igualdade e tolerância”.
Segundo Reynié, muitos jornalistas, políticos e analistas não perceberam ou levaram a sério essa tendência da população.
E isso não seria apenas uma questão material: “Eles [os políticos, analistas e jornalistas] ignoram muitas vezes a importância do ‘patrimônio imaterial’, que engloba estilo de vida, mentalidades, hábitos, modos de pensar e atitudes para com a vida; todos aqueles elementos que compõem uma cultura e que dão às pessoas um senso de pertencimento –neste caso, à cultura europeia.”
Quão eficiente é a aliança do centro contra a ultradireita?
Os partidos de centro na Alemanha e na França têm seguido estratégias semelhantes na competição política com a ultradireita. Assim como o “muro de contenção” contra o AfD na Alemanha, a França tem seu “pacto republicano”.
A ideia por trás disso é: sempre que um candidato do Reunião Nacional chega ao segundo turno, socialistas, verdes e liberais se unem em torno de um candidato comum. É esse o pacto que a oposição de esquerda afirma ter morrido depois da votação de terça-feira. Antes disso, republicanos já haviam ganhado influência, reduzindo a distância programática de seu partido em relação à ultradireita.
O número recorde de deputados do Reunião Nacional na Assembleia Nacional mostra o quanto o “pacto republicano” perdeu força ao longo dos anos: com 88 deputados, a ultradireita agora tem mais assentos no Parlamento do que os republicanos de direita.
Mesmo que o pacto ainda pareça funcionar no período eleitoral, “os eleitores estão cada vez menos impressionados”, analisa Philip Manow, pesquisador e professor de Economia Política do Estado de Bem-Estar na Universidade de Bremen. “Se a próxima presidente for Marine Le Pen, algo que a maioria dos observadores da política francesa supõe, a resposta será: não, o pacto republicano não foi e não é eficaz.”
Seduzidos pelo poder?
Para o partido de Le Pen, parece que o perigo hoje advém menos do “pacto republicano” e mais das tentações do poder.
Fréjus, cidade a 40 quilômetros a sudoeste de Cannes, é comandada por um político do Reunião Nacional desde 2014: David Rachline. Recentemente, o Ministério Público local abriu uma “pré-investigação” contra o aliado de longa data de Le Pen e vice-presidente da sigla –segundo a imprensa, por “questões relacionadas a licitações” e suspeita de favorecimento indevido.
As investigações surgiram a partir de um livro sobre a política local. Em “Les Rapaces” (aves de rapina), a jornalista Camille Vigogne Le Coat acusa Rachline de, entre outras coisas, fazer acordos com um poderoso empreiteiro local para a licitação de contratos públicos, além de descrever uma administração municipal muito distante da imagem exemplar que a sigla tenta projetar.
Rachline rejeita todas as acusações como infundadas. Nos últimos dias, no entanto, Le Pen tem sido cautelosa quanto a manifestações de apoio ao aliado. A desilusão com candidatos eleitos pode ser, atualmente, a maior ameaça para o partido para o partido líder nas pesquisas eleitorais.