Em uma demonstração de força para os aliados China e Rússia, três países europeus montaram a maior expedição aérea de sua história para atuar em cinco diferentes exercícios militares no Indo-Pacífico, o foco estratégico de Pequim na Guerra Fria 2.0 com os Estados Unidos.
Alemanha, França e Espanha mobilizaram 48 aeronaves, entre caças, aviões de transporte, reabastecimento aéreo e helicópteros, para uma jornada de 58 mil km que começou no dia 27 de junho e se estenderá até 15 de agosto.
É a missão Pacific Skies (céus do Pacífico, em inglês), que também é o primeiro teste de ação integrada do programa FCAS (Sistema de Combate Aéreo do Futuro, na sigla inglesa), que une os três países no desenvolvimento de um caça da chamada sexta geração e de drones que serão comandados a partir dele, previstos para entrar em operação na década de 2040.
Do ponto de vista político, é também uma resposta europeia ao temor de que uma eventual vitória de Donald Trump na eleição americana afete novamente as relações transatlânticas. Quando esteve no poder, de 2017 a 2021, o republicano deixou a Otan, aliança que os EUA lideram e que terá sua cúpula anual a partir da terça (9), às moscas.
Ao escolher o Indo-Pacífico para seu show, a trinca europeia busca mostrar que não está presa apenas à grave crise de segurança que a Guerra da Ucrânia trouxe às suas fronteiras, mas de olho no grande jogo do século 21, a rivalidade entre o Ocidente liderado pelos EUA e a China, que traz os russos e seu enorme arsenal nuclear a tiracolo.
Por óbvio, há limites à pretensão, que começam pelo bolso. Os EUA, maior potência militar da história, despendem 70% do total de gasto com defesa da Otan, que une Washington ao Canadá e a 31 países europeus. Suas capacidades expedicionárias são inigualáveis.
A ideia da operação conjunta é econômica também, de unir forças e orçamentos em missões futuras. Para tanto, o trio montou um circo respeitável.
A Alemanha traz 12 aviões de ataque Tornado, 8 caças Eurofighter, 4 aviões de transporte pesado A400M, 4 helicópteros H145 e 3 aviões-tanque A330-MRTT, esses da força europeia de reabastecimento. A França emprega 4 caças Rafale, 3 A400M e 3 A330-MRTT. Os espanhóis, sócios minoritários do grupo, vêm com 4 Eurofighter, 2 A400M e 1 A330 de transporte de pessoal.
A ação começa nesta segunda (8) sobre o maior campo de provas militares do mundo, no Alasca. O exercício Arctic Defender, liderado pelos EUA, irá treinar defesa de área e ataques de precisão ao solo —função dos Tornado alemães em sua despedida de viagens internacionais, já que serão substituídos na missão de ataque com bombas nucleares táticas pelo F-35.
Nesta primeira etapa, que vai até o dia 18, participarão 60 aviões e 500 militares americanos. De lá, o grupo segue para o Japão para participar do Nippon Skies, na primeira vez em que caças alemães irão treinar lado a lado com seus antigos aliados derrotados na Segunda Guerra Mundial (1939-45).
Parte do contingente alemão, contudo, irá se separar para integrar as manobras anuais da Marinha americana no Havaí, o Rimpac.
Depois do exercício japonês, o grupo irá para a Austrália, aliada fundamental dos EUA no Pacífico, para o exercício Pitch Black. Por fim, as frotas alemã e francesa irão de lá para a Índia, onde a capaz Força Aérea local lidera a simulação Tarang Shakti.
Ali, os Rafale e Eurofighter terão oportunidade de enfrentar os caças russos Sukhoi Su-30 da Índia, país que mantém excelente relação com a Rússia, mas é adversária estratégica da China na Ásia —apenas um exemplo das complexas camadas que compõem a nova Guerra Fria.
Haverá dois eventos paralelos ao Pacific Skies: uma visita dos A400M alemães à Nova Zelândia e uma segunda frota, composta por 3 Rafale, 3 A330-MRTT e 3 A400M da França, que participará de um outro exercício australiano, o Griffith Strike, com um grupo de aviação britânico.
O Pacific Skies, como se vê, envolve os rivais diretos de China e Rússia no ambiente global. Desde que firmaram a “amizade sem limites” de Vladimir Putin e Xi Jinping 20 dias antes da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, os países escalaram suas operações militares conjuntas.
Patrulhas de bombardeiros e manobras navais de ambos são uma constante, e nesta semana China e Rússia lançaram mais uma ação de suas forças com embarcações no Pacífico.
Para os europeus, é um ensaio da tentativa de colocar de pé o novo sistema de armas. Até aqui, a indústria europeia de aviação militar se dividia entre franceses (hoje com o Rafale como principal produto), consórcios europeus (Eurofighter) e os suecos (o Gripen, comprado pelo Brasil).
A inundação do mercado por caças F-35, da chamada quinta geração, furtivos a radares, travou esse nicho para os europeus. Restou a eles somarem força para a próxima etapa da evolução dos caças. O papel da Suécia é incerto, e analistas creem que ela só decidirá entre seguir com um avião próprio ou se unir aos parceiros agora de Otan na próxima década.