A um ano das eleições presidenciais americanas, democratas e republicanos tiveram uma chance de testar suas estratégias nacionais nesta terça (7) em Ohio, Virgínia, Kentucky e Mississippi –e, até o momento, os resultados são uma boa notícia para o partido de Joe Biden.
No principal laboratório, em Ohio, os eleitores aprovaram a inclusão de uma emenda garantindo o direito ao aborto na Constituição estadual, segundo projeção da Associated Press. O texto proposto afirma o “direito individual ao seu próprio tratamento médico reprodutivo, incluindo mas não limitado ao aborto”.
Na prática, a alteração garante também que médicos não sejam penalizados por realizar o procedimento, e delega a eles uma decisão caso a caso sobre até que momento ele pode ser realizado –definido como aquele de viabilidade do feto, em torno de 22 a 24 semanas de gestação.
Com 70% das urnas apuradas, o resultado é 55,7% favoráveis à emenda e 44,3% contrários.
Uma segunda votação em Ohio, sobre a liberação da maconha para uso recreativo, também foi aprovada pelos eleitores. Nesse caso, o placar até o momento é de 55,9% de apoio e 44,1% contrários, o que significa uma vitória do uso da droga, também segundo projeção da AP.
Ambas as emendas entram em vigência 30 dias após a aprovação. Para serem aprovadas, elas precisam do apoio de 50% + 1 dos eleitores que compareceram às urnas.
A proposta de inclusão da previsão sobre aborto na Constituição do estado foi apresentada em fevereiro por um grupo da sociedade civil, que conseguiu obter 496 mil assinaturas válidas para levar a questão às urnas. Republicanos chegaram a tentar dificultar a proposta e aprovação de emendas em um plebiscito realizado em agosto, mas foram derrotados.
O resultado mostra que o direito ao aborto continua impulsionando eleitores de viés democrata a irem às urnas, como aconteceu nas eleições de meio de mandato do ano passado.
“No voto mais explicitamente voltado para uma única questão desta noite, democratas conseguiram uma enorme vitória”, disse a presidente do Comitê de Campanha Legislativo do partido, Heather Williams.
Segundo pesquisa de boca de urna encomendada pelo consórcio ABC News, CBS News, CNN e NBC News, 92% dos democratas votaram pela inclusão da emenda, 64% dos independentes e 18% dos republicanos. A medida também recebeu maior apoio proporcionalmente de mulheres, jovens, negros e pessoas com diploma universitário.
Para os republicanos, vindos de uma sequência de seis derrotas em plebiscitos estaduais sobre a interrupção da gravidez, a votação era um teste se uma modulação do discurso conservador poderia ser efetiva para estancar a sangria.
Historicamente, o debate sobre a interrupção da gravidez nos EUA é formulado em termos de defesa do direito da mulher, campo conhecido como “pro-choice” (pró-escolha), e os contrários ao procedimento, que se definem como “pro-life” (pró-vida).
No entanto, desde que a Suprema Corte mudou seu entendimento sobre o aborto, revogando na prática a garantia desse direito ao delegar aos estados legislarem sobre o tema, democratas aproveitaram para reformular os termos da discussão como uma defesa acima de tudo do direito à liberdade individual.
A estratégia tem sido bem-sucedida até agora. Propostas para banir ou limitar o procedimento na Constituição estadual foram derrotadas no Kansas, em Kentucky e em Montana, enquanto Califórnia, Michigan e Vermont aprovaram adendos garantindo o direito.
Em reação, republicanos recalibraram sua posição. Em Ohio, a campanha contra a emenda buscou vincular o aborto a um tema que vem ganhando projeção nacional: o controle dos pais sobre decisões relacionadas a gênero e sexualidade de seus filhos menores de idade, como tratamentos hormonais.
A ideia, em linhas gerais, é que a aprovação da emenda sobre o aborto permitira no limite que menores de idade passassem pelo procedimento sem conhecimento dos pais –o que o texto não estabelece.
Em mais uma tentativa de atrair o eleitor, os republicanos também têm moderado o discurso para a defesa de uma limitação do período em que o procedimento é permitido, em vez do banimento.
Na semana passada, o governador de Ohio, o republicano Mike DeWine, afirmou que poderia buscar uma proposta determinando um limite de autorização do aborto maior que seis semanas –que, segundo especialistas, na prática inviabiliza o procedimento.
Esse prazo é o estabelecido em uma lei estadual que entrou automaticamente em vigor quando a Suprema Corte alterou seu entendimento no ano passado. A limitação, no entanto, vigorou por pouco tempo, porque foi questionada na Justiça estadual. Atualmente, o prazo para o procedimento no estado é até a 22ª semana de gestação.
Um teste semelhante é conduzido na Virgínia, onde o governador republicano Glenn Youngkin, vem defendendo um limite de 15 semanas –atualmente, esse prazo é de 26 semanas, o que é criticado como extremo por conservadores.
O direito ao aborto em si não está sendo analisado como em Ohio, mas é o pano de fundo da campanha para o Legislativo estadual é o procedimento. Hoje, o Senado da Virgínia é dominado por democratas por apenas dois votos; caso republicanos se tornem maioria, a expectativa é que uma limitação do procedimento seja aprovada, alinhando finalmente o estado ao que vem sendo a prática no sul americano.
Nas entrelinhas da votação legislativa na Virgínia está também o futuro político do governador. Youngkin vem flertando com a possibilidade de disputar a nomeação republicana como candidato à Presidência, e uma vitória republicana em seu estado é um sinal para estrategistas e doadores de campanha sobre a viabilidade de suas ambições.
De modo mais amplo, as eleições para Legislativo na Virgínia, sempre um ano antes da presidencial, são acompanhadas de perto como uma espécie de termômetro da disputa nacional americana.
Após uma pesquisa de intenção de voto divulgada no fim de semana mostrar Donald Trump à frente de Joe Biden em estados-chave, um clima de alarme se instalou no Partido Democrata. Nesse contexto, o desempenho na Virgínia ganhou ainda maior importância, seja para acalmar os ânimos, ou para disparar as luzes de emergência.
Em Kentucky e no Mississippi, ambos estados de eleitorado conservador, as atenções estavam voltadas para o cargo de governador. No primeiro, o democrata Andy Beshear conseguiu se reeleger, mantendo sua posição de estranho no ninho na região, enquanto no segundo, Brandon Presley, primo de segundo grau do astro do rock, busca derrotar o republicano Tate Reeves e se tornar o primeiro democrata no comando do estado em mais de 20 anos.
A vitória de Beshear é dúbia para os democratas, porém. Buscando ganhar um eleitorado conservador, o democrata evitou se associar a Biden durante a campanha. Ao mesmo tempo, ele deixou clara suas posições contra as restrições ao aborto no estado.