O peculiar colégio eleitoral americano propicia uma das tarefas preferidas de analistas e o ganha-pão de estrategistas: entender as diferentes combinações de vitórias estaduais que podem levar um candidato à Casa Branca.
Não é apenas especulação: foi a compreensão de que Joe Biden tinha apenas uma rota possível o que pesou para sua saída da chapa. Kamala Harris ampliou os caminhos democratas e, neste momento, tem 55% de chance de vencer, projeta o simulador criado pelo site FiveThirtyEight —a conta muda diariamente.
O modelo leva em conta outros fatores além das pesquisas de intenção de voto, mas faz a ressalva de que, se elas estiverem subestimando Donald Trump novamente em 4,5 pontos, como ocorreu em 2020, ele vai levar todos os estados em que a disputa é acirrada. Se a distorção for ao contrário, favorecendo Kamala na mesma margem, ela vai vencer em todos e mais a Flórida.
Considerando os sete estados realmente em jogo na eleição –Arizona, Carolina do Norte, Geórgia, Michigan, Nevada, Pensilvânia e Wisconsin–, são 128 combinações possíveis, de acordo com o estatístico Nate Silver. Há uma lógica, porém, que ajuda a organizar esse multiverso e reduzi-lo a uns poucos cenários mais prováveis.
No cenário que concentra mais apostas, Kamala vence ao norte, no chamado Cinturão da Ferrugem (Michigan, Wisconsin e Pensilvânia) se não perder mais espaço entre eleitores brancos sem diploma, o coração do trumpismo. Já o republicano leva o restante, que integra o Cinturão do Sol, ao sul, em boa medida devido a um desempenho melhor entre eleitores negros e hispânicos do que em 2016 e 2020.
Para o empresário, o caminho mais claro de vitória é virar a Pensilvânia —onde o pleito está extremamente acirrado. Se conseguir, basta levar a Carolina do Norte, onde um democrata não vence desde 2008, e a Geórgia, onde perdeu por menos de 12 mil votos há quatro anos.
Baseados no mapeamento feito pelo Washington Post, discutimos oito possibilidades –inclusive a de um empate no pleito marcado para daqui a um mês, em 5 de novembro.
1. Kamala leva a muralha azul (e 1 delegado do Nebraska)
A rota mais fácil para Kamala Harris chegar à Casa Branca é derrotar Donald Trump em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia. O grupo também é conhecido como “muralha azul”, porque elegeram democratas em todas as eleições desde 1992, exceto em 2016.
Com isso, ela chega a 269 delegados. Para somar 270, ela ainda precisa garantir 1 dos 5 votos do Nebraska –que, junto com o Maine, são as exceções que permitem dividir delegados. Para isso, Kamala precisa vencer no segundo distrito, de Omaha, o centro urbano da região.
Joga a favor dos democratas o menor peso na região do eleitorado negro e latino –demografias que tendem a votar no partido, mas nas quais Trump conseguiu crescer em comparação com 2016 e 2020. A desvantagem de Kamala entre brancos sem diploma universitário também é menor nessa área do que em estados no sul americano.
Essa é a combinação vista como mais provável. A projeção do FiveThirtyEight é que a democrata vença por uma margem de 1,7 ponto percentual em Michigan e Wisconsin, e por apertados 0,6 na Pensilvânia –e isso nos leva para o próximo cenário mais provável, de vitória de Trump.
2. Democratas perdem a Pensilvânia
Se Trump vencer no estado, o caminho para Kamala superar o empresário no colégio eleitoral fica muito mais complicado.
Nesse caso, basta ele levar também a Carolina do Norte e a Geórgia para chegar à Casa Branca –ainda que democratas ganhem em todos os outros quatro.
Em 2020, Biden venceu na Pensilvânia por uma margem de 1,2 p.p., ou menos de 82 mil votos. Apesar de ínfimo, ainda é o dobro do que a projeção atual estima para Kamala. Na pesquisa de melhor qualidade mais recente (27 e 28 de setembro), do Emerson College, ela e Trump estão numericamente empatados no estado.
Trump tem investido pesadamente na Pensilvânia –é onde ele mais gastou em publicidade, segundo o Politico. Neste sábado (5), ele fará um novo comício em Butler, mesma cidade em que levou um tiro de raspão em julho.
3. Kamala repete vitória de Biden em 2020
Nesse cenário, a democrata leva seis dos sete estados em jogo –Trump só vence na Carolina do Norte, como aconteceu em 2020.
O problema de conseguir repetir o caminho que levou o atual presidente à Casa Branca é que, para o sucesso dessa estratégia, foi essencial o bom desempenho de Biden entre eleitores negros e hispânicos, sobretudo nos estados do sul –Arizona, Nevada e Geórgia.
Desses, o FiveThirtyEight projeta que Kamala vai vencer apenas em Nevada por 0,1 p.p. Nos outros dois, o modelo prevê a vitória de Trump por 1,1 p.p.
Joga a favor de Trump a insatisfação de eleitores negros e hispânicos com a economia nos últimos quatro anos. Com isso, uma parte desses grupos migrou para o empresário, e outra não pretende votar neste ano.
Kamala melhorou o desempenho dos democratas nessas demografias, mas ainda está aquém do observado em 2020.
4. Trump leva o Cinturão do Sol e fura a muralha azul
Enquanto o Cinturão da Ferrugem pende para democratas, o do Sol –formado por Nevada, Arizona, Carolina do Norte e Geórgia– pende para os republicanos. Na projeção do FiveThirtyEight, Trump vence em todos exceto em Nevada, por uma margem minúscula.
Mas, mesmo ganhando em todos esses estados, ele ainda precisaria furar a muralha democrata ao norte e levar ou Michigan (mais difícil), ou Pensilvânia (competitivo), ou Wisconsin (onde Biden venceu por menos de 21 mil votos em 2020).
5. Trump repete sua vitória em 2016
Nesse caso, o republicano vence em todos os estados em jogo neste ano, com exceção de Nevada. Esse cenário é visto como mais improvável, considerando o desempenho melhor de Kamala no Cinturão da Ferrugem apontado nas pesquisas.
Mas se as pesquisas estiverem subestimando Trump –como ocorreu tanto em 2016 quanto em 2020–, não é impossível.
6. Kamala vence o Cinturão do Sol
Para esse resultado acontecer, as pesquisas também precisam estar errando –mas subestimando Kamala em vez de Trump. Da mesma forma, o cenário é visto como improvável, e seria possível caso o apoio à democrata entre negros e latinos esteja em níveis muito maiores do que os observados até agora, enquanto entre brancos, muito menor.
7. Trump leva a muralha azul e o Arizona
Esse cenário também está no campo do improvável. Para isso, o republicano precisa estar sendo subestimado nos estados do norte, entre brancos sem diploma.
Mesmo que surpreenda e vença Kamala em Michigan, Wisconsin e Pensilvânia –como fez contra Hillary Clinton em 2016–, ele ainda precisa levar mais um estado do sul que não seja Nevada (como só tem 6 delegados, não é suficiente para ele chegar a 270). Desses, Arizona é visto como mais alcançável.
8. Empate
Se Kamala vencer em Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, e Trump no resto –inclusive naquele distrito do Nebraska–, o placar termina empatado: 269 a 269. De modo semelhante, se o republicano levar a Pensilvânia, a Geórgia e a Carolina do Norte, mas perder um distrito do Maine (a outra exceção que divide seus delegados), o resultado também é empate. Um terceiro caminho é se Trump ganhar o Cinturão da Ferrugem e Nevada.
É improvável, porém, que isso aconteça porque Biden venceu o segundo distrito de Nebraska por uma margem grande (6,5 p.p.), assim como Trump ganhou o segundo distrito do Maine por mais de 7 p.p.
Se a eleição acabar em empate, o presidente é escolhido pela Câmara dos Deputados.