Quando J.D. Vance, 39, subiu ao palco da convenção republicana na noite de quarta-feira (17) para aceitar oficialmente a indicação a vice-presidente, ele usava gravata e vestia um terno azul-escuro —um “garoto de Middletown, Ohio” que se tornou “um poderoso exemplo do sonho americano”, como disse sua esposa, Usha, ao introduzi-lo, sem mencioná-lo como o primeiro millennial em uma chapa de um grande partido.
E ele se parece com um millennial, exceto por uma coisa. Um detalhe inconfundível que —no estilo de seu companheiro de chapa, Donald Trump— não apenas subverteu a sabedoria política moderna, mas quebrou um tabu político de longa data.
Sua barba.
O último homem barbudo eleito presidente dos Estados Unidos foi Benjamin Harrison, em 1888. O último presidente com qualquer tipo de pelo facial foi William Howard Taft, eleito em 1908.
O último vice-presidente com bigode foi Charles Curtis —o presidente era à época era Herbert Hoover (1929-1933). E o último candidato de um grande partido a tentar quebrar essa sequência de rostos lisos foi Thomas E. Dewey, que tinha um pequeno bigode elegante em seu lábio superior e concorreu, sem sucesso, à Presidência em 1944 e em 1948.
Mas a campanha de Dewey estabeleceu um mau precedente. De acordo com o blog de arquivos nacionais “Pieces of History”, Hoover disse uma vez que “um homem não poderia usar um bigode daquele jeito sem que isso afetasse sua mente”, referindo-se a Dewey.
Desde então, um rosto barbeado tem definido o status quo nos corredores do poder de Washington e Wall Street. Pelo menos até agora.
A barba é frequentemente vista como suspeita. A barba esconde algo —talvez algo ainda mais revelador do que um queixo fraco. Ela sugere subterfúgio. Bem aparada, tem sido associada ao demônio Mefistófeles, que muitas vezes era retratado com um cavanhaque, e ao Drácula. Quando não é aparada, lembra rebeldes como Fidel Castro e hippies.
“Rostos barbeados eram um sinal de urbanidade e boa aparência”, disse Richard T. Ford, professor da Faculdade de Direito de Stanford e autor de “Códigos de Vestimenta: Como as Leis da Moda Fizeram História”. “As barbas se tornaram associadas a estilos de vida rurais, homens velhos, professores universitários e à contracultura. Nenhuma dessas associações provavelmente apelaria para um eleitorado em massa.”
Não ajudou o fato de que políticos que perderam eleições às vezes expressavam suas crises desaparecendo —e depois reaparecendo com barbas.
Isso ocorreu com Al Gore em 2001, depois que a Suprema Corte decidiu que George W. Bush havia vencido a Presidência. Também com Paul Ryan, em 2015, quando ele anunciou que não buscaria a indicação presidencial. Com Ted Cruz em 2016, após o fim de sua candidatura à Presidência. Já com Beto O’Rourke, ocorreu em 2019, após sua tentativa de se eleger presidente.
Tudo isso explica o motivo pelo qual Trump é conhecidamente contra as barbas. O candidato republicano já disse a seu filho Donald Jr., no podcast Triggered, que preferia ele sem barba.
Don Jr., porém, manteve sua barba, que ele cultivou pela primeira vez durante uma viagem para caça e pesca em 2018. “Trouxe de volta um pouco de barba como lembrança. Talvez eu deva mantê-la? Me diga o que você acha. #barba #montanhês”, escreveu ele nas redes sociais.
Fotos sugeriram que, no Natal, ele havia se barbeado, mas a barba reapareceu no início de 2019 e tem sido sua marca registrada desde então.
Coincidentemente, parece ser por volta da mesma época que Vance deixou crescer sua barba, embora o momento preciso seja mais difícil de determinar.
Quando Vance estava promovendo seu livro, “Hillbilly Elegy” (“Era uma Vez um Sonho”, na tradução para o português), em 2016 e 2017, ele estava barbeado, mas quando concorreu ao Senado, em 2022, a barba estava totalmente presente. Seu visual, assim como sua política, havia mudado.
A barba de Lincoln versus a barba de Eastwood
Apesar de Trump dizer à Fox Radio que achava que a barba fazia Vance parecer “um jovem Abraham Lincoln”, ela não se parece muito com a barba de Lincoln.
Aquela barba vinha sem um bigode e era menos cuidada, e, segundo Sean Wilentz, professor de história americana na Universidade de Princeton, foi cultivada porque uma menina de 11 anos disse a Lincoln, em 1860, que isso o ajudaria a ser eleito, escondendo a natureza magra e cadavérica de seu rosto.
A barba de Vance, por outro lado, funciona para dar ao candidato, que tem um rosto um pouco redondo, de bebê, tanto uma linha da mandíbula quanto um ar geral de masculinidade.
E a barba de Vance, assim como a de Donald Trump Jr., está mais na tradição da barba do faroeste spaghetti. Está mais próxima da barba de Clint Eastwood em “O Bom, o Mau e o Feio” do que as barbas de qualquer antecessor político.
Se a barba de Vance estabelecerá uma nova tendência ainda é incerto. Certamente a de Lincoln fez. “Até 1863, três membros de seu gabinete tinham barbas: Edwin Stanton, Gideon Welles e Edward Bates”, disse Wilentz. A partir daí, com exceção de Andrew Johnson, “seis presidentes consecutivos, contando Grover Cleveland apenas uma vez, tinham barba ou eram muito peludos.”
Ainda assim, acrescenta Wilentz, apesar de uma onda de entusiasmo entre os barbudos nas redes sociais, “vai ser preciso muito para Vance mudar a tendência caso ele assuma o cargo”.
Na verdade, a promoção repentina de Vance a modelo de barba em um momento de grande divisão no país poderia ter o efeito oposto.
Eric Calvo, um profissional de comunicação de 27 anos, recentemente deixou crescer uma barba com a qual estava bastante satisfeito até esta semana, quando um amigo disse que isso o fez lembrar de Vance. “Aquilo foi o fim para mim”, disse Calvo. “Raspei na terça-feira à noite às 22h30.”
E dada toda a história, talvez Vance faça o mesmo. “Provavelmente ele fará uma pesquisa para ver se mantém ou raspa”, disse Wilentz.