O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pausou o envio de armas para Israel na semana passada para evitar que armas americanas sejam usadas em um possível ataque à cidade de Rafah, disseram autoridades do governo na noite desta terça-feira (7). A suspensão é um sinal da crescente divisão entre Washington e Tel Aviv.
O presidente reteve 1.800 bombas de 907 quilos e 1.700 bombas de 226 quilos que, temia ele, poderiam ser lançadas sobre Rafah, onde mais de 1 milhão de moradores na Faixa de Gaza se refugiaram, disseram as autoridades. O governo está revisando se deve reter futuras transferências, incluindo kits de orientação que convertem as chamadas “bombas burras” em munições de precisão.
Trata-se da primeira vez que Biden restringiu armas para influenciar Israel na guerra desde o ataque terrorista liderado pelo Hamas em 7 de outubro, que desencadeou o conflito. Antes, democratas no Congresso pediram por semanas pela interrupção dos envios ao país aliado, algo que o presidente havia se recusado a fazer até agora por causa de seu apoio ao esforço para destruir o Hamas.
Autoridades israelenses mencionaram a pausa nas armas ao site de notícias americano Axios no início desta semana, mas autoridades dos EUA se recusaram a confirmar a informação em comunicados ou sob anonimato até a noite de terça.
O fato de finalmente se manifestarem indica a crescente frustração das autoridades americanas em relação aos israelenses, que não estariam ouvindo os alertas de que uma operação em Rafah poderia causar um grande número de vítimas civis. A confirmação da pausa aconteceu horas depois de Israel enviar tanques para a cidade no sul de Gaza.
Um funcionário dos EUA disse que o governo começou a revisar os envios de armas no mês passado, quando ficou claro que Israel parecia estar chegando a uma decisão sobre uma operação em Rafah. Biden inicialmente tomou a posição de que Israel não deveria atacar Rafah sem uma estratégia para minimizar efetivamente as vítimas civis, mas, nas últimas semanas, a Casa Branca indicou que não acreditava na possibilidade de tal plano.
Tel Aviv não deixou claro se está prestes a iniciar o ataque a Rafah, mas tomou ações nos últimos dias que pareciam indicar uma ofensiva iminente. As forças israelenses ordenaram a retirada de 110 mil civis da cidade e bombardearam alvos nas áreas de fronteira em resposta a um ataque do Hamas que matou quatro soldados no fim de semana.
Israel afirmou que a entrada de tanques em Rafah e a tomada da passagem da cidade com o Egito na terça era uma operação limitada para eliminar combatentes do Hamas e infraestrutura ligada ao ataque de foguetes.
As ações realmente não indicavam o início do ataque prometido —a ordem de retirada e as movimentações militares pareciam ter como objetivo pressionar o grupo terrorista enquanto negociadores se encontravam no Cairo para discutir um possível acordo de cessar-fogo.
Biden não mencionou sua decisão de reter as bombas durante um discurso em uma cerimônia de lembrança do Holocausto na terça, mas reafirmou seu apoio a Israel. “Meu compromisso com a segurança do povo judeu, a segurança de Israel e seu direito de existir como um estado judeu independente é inabalável, mesmo quando discordamos”, disse ele.
O governo não suspendeu o envio de todas as armas para Israel e, neste momento, ainda não tomou uma decisão final sobre como proceder com as bombas retidas na semana passada. Na verdade, autoridades disseram que a gestão acabara de aprovar a última parcela de ajuda no valor de US$ 827 milhões em armas e equipamentos e pretendia enviar “cada dólar” da verba recém-aprovada pelo Congresso.
Eles afirmaram, no entanto, estar especialmente preocupados com o dano que poderia ser causado pelas bombas de 907 quilos em uma área urbana densa como Rafah, com tantos civis deslocados. E ainda estão decidindo se enviarão os kits de orientação Joint Direct Attack Munitions, ou JDAM.
A tensão entre Biden e o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, tem crescido constantemente nos últimos meses. Há um mês, durante uma chamada, o americano ameaçou pela primeira vez repensar o apoio dos EUA à guerra se Netanyahu não mudasse sua conduta. Embora Biden não tenha dito explicitamente que limitaria ou cortaria o fornecimento de armas, essa era uma possibilidade implícita.
Desde então, a Casa Branca afirmou que Israel reagiu às demandas do presidente ao se empenhar para facilitar a ajuda humanitária. Mas as divergências sobre uma possível operação em Rafah permaneceram sem solução. Autoridades israelenses foram a Washington para esboçar seus planos para o ataque, mas não convenceram as autoridades dos EUA em relação a como evitar o banho de sangue de civis que se teme.
Autoridades do governo disseram a seus homólogos israelenses que não poderiam repetir a mesma abordagem que usaram no norte de Gaza, o que levou a pesadas baixas e devastou grande parte do território. Mais de 34 mil pessoas, incluindo combatentes e civis, foram mortas nos sete meses de guerra, de acordo com as autoridades em Gaza.
Israel depende dos EUA para armar seu exército, especialmente para baterias de defesa aérea como as usadas para derrubar quase todos os mais de 300 mísseis e drones disparados pelo Irã no mês passado. A defesa bem-sucedida destacou o quão crítica tem sido a ajuda americana para a segurança de Israel. Autoridades do governo deixaram claro há muito tempo que não interromperiam o fornecimento de armas defensivas.
A pausa nas bombas ocorre no momento em que o secretário de Estado, Antony Blinken, está para apresentar um relatório ao Congresso avaliando se Israel usou armas americanas respeitando a lei americana e internacional.
O aguardado documento poderia preparar o terreno para um acirrado debate sobre a responsabilidade americana pela guerra de Israel, que já provocou protestos generalizados em campi universitários. Uma constatação de que Israel violou o direito internacional aumentaria exponencialmente a pressão sobre Biden para restringir ainda mais as entregas de armas, enquanto uma constatação de que Tel Aviv conduziu sua guerra legalmente alimentaria protestos e geraria mais reclamações dos democratas do Congresso.