Nova York, Nova Jersey (EUA), Des Moines (EUA), Oracle (EUA) e Jefferson City (EUA) | Financial Times
Ele foi condenado pela Justiça, costuma difundir teorias da conspiração, tratou mulheres mal publicamente e mentiu sobre o seu patrimônio. Apesar de tudo isso, Donald Trump tem grandes chances de vencer as eleições presidenciais dos Estados Unidos em novembro.
A fotografia em que o republicano aparece erguendo o punho em uma demonstração de força instantes após ter sido alvo de um ataque a tiros provavelmente se tornará a imagem definitiva da campanha eleitoral deste ano. Mas mesmo antes a disputa já estava pendendo a seu favor.
Há menos de dois meses, Trump estava sentado em um tribunal de Nova York, taciturno e imóvel, enquanto se tornava o primeiro ex-presidente na história dos EUA a ser condenado criminalmente. Desde então, ele conseguiu arrecadar mais de US$ 400 milhões para a sua campanha, saiu vitorioso de um debate com o presidente, Joe Biden, e liderou pesquisas de intenção de voto em sete estados considerados cruciais para o resultado do pleito.
Para muitos dos apoiadores do ex-presidente, essa sequência de eventos apenas confirmou algo que eles já sabiam. Eles acreditam que Trump tem um encanto que muitos eleitores do Partido Democrata e observadores estrangeiros não conseguem entender.
Força
Phil Gross não precisou da surpreendente reação de Trump a uma tentativa de assassinato para considerar o ex-presidente era um homem de verdade. Mas o comportamento dele naquele momento também não atrapalhou.
“Não dá para inventar um negócio desses. É algo inato”, diz Gross, um pintor de casas de Chester, na Pensilvânia. “Trump é um homem de verdade.”
“Sim, ele é arrogante”, ele acrescentou mais tarde. “Mas que faraó não era arrogante?”
O apelo do ex-presidente para o eleitorado masculino é uma das poucas áreas em que ele tem uma vantagem decisiva em relação a Biden. Uma pesquisa da ABC-Ipsos recente indicou que essa vantagem é de 8 pontos percentuais para homens com menos de 50 anos e de 11 pontos percentuais para os que têm de 50 a 64 anos.
Um estudo realizado por psicólogos da Universidade Estadual da Pensilvânia afirma que o endosso da “masculinidade hegemônica” —uma noção tradicional de masculinidade segundo a qual os homens devem ocupar uma posição dominante na sociedade— era um indicador preciso para determinar quem votou em Trump em 2016.
Esse aspecto do “elemento Trump” atrai algumas mulheres também. Entre elas está Lisa Gasper, uma corretora de imóveis da Filadélfia que votou no republicano duas vezes.
“O que eu quero é um líder”, diz ela ao descrever suas preferências políticas. Questionada, ela minimizou os comentários depreciativos que o ex-presidente já fez sobre mulheres, incluindo o infame “pegue-as pela xoxota”. Ela afirma que passou a carreira inteira em escritórios dominados por homens e, segundo ela, é assim que eles falam.
Ela diz enxergar em Trump um líder que conseguiu erguer prédios em Nova York e em Atlantic City, superando a burocracia governamental e a máfia. Um análogo que ela sugeriu foi Tony Soprano, o implacável —e fictício— chefe da máfia de Nova Jersey da série televisiva “Família Soprano”.
Carisma
Era uma noite chuvosa em Green Bay, Wisconsin, no Meio-Oeste americano, e a voz de Trump enchia o centro de convenções.
Logo, outras vozes irromperam. “Eu te amo!”, gritava a multidão que parecia tímida momentos antes.
Demonstrações como essa são uma característica típica dos comícios do ex-presidente. Os fiéis vêm para ver seu ídolo —e comungar uns com os outros.
Sua recompensa é um espetáculo que inclui um senso de humor vulgar e fúria.
Para alguns políticos, discursos durante a campanha são uma tarefa árdua. Não para Trump, que os encara como uma performance que ele vem aperfeiçoando desde muito antes de lançar sua primeira candidatura à Casa Branca.
Depois de quase uma década do líder na política, as plateias também parecem experientes, gritando as respostas certas —”Erga o muro!”; “Que Joe Biden se ferre!”— nos momentos certos.
Parte do atrativo dos comícios para os eleitores é a oportunidade de se conectar com pessoas que pensam parecido com eles. Eles tendem a ser objetos de desprezo ou pena (ou ambos) nas costas e nas grandes cidades dos EUA, mas em um evento de Trump, essa fórmula se inverte, e são as elites que são desprezadas ou se tornam alvo de piedade (ou ambos) por estarem longe da decência, da religião e do patriotismo.
No palco, Trump às vezes parece estar encenando uma pantomima, como quando ele critica a “imprensa mentirosa”, levando a multidão a vaiar os jornalistas presentes.
Mas quando ele se volta para seu principal inimigo, os imigrantes em situação irregular, ele mostra a que veio. “Este é o período mais perigoso da história do nosso país […] Somos uma nação em declínio.”
“Resolva isso!”, gritou um homem em Green Bay em um momento. Este é, em certa medida, o objetivo final de um comício do candidato republicano à Presidência. É um chamado à ação.
“Esta nação pertence a vocês,” dirá Trump. “Esta é sua casa. Esta é sua herança. Lutem!”
Após o fim de um comício em Rome, na Geórgia, uma mulher estava sentada em uma arquibancada, descansando as pernas, sozinha no auditório vazio. “Meus filhos sempre me perguntam: ‘Mãe, por que você não assiste pela TV?'” ela contou à reportagem. “Mas é tão diferente quando você está aqui.”
Apelo à nostalgia
Iowa foi o estado dos EUA que mais se moveu mais à direita nos últimos tempos de acordo com vários indicadores. O governo estadual agora é republicano, assim como muitos de seus legisladores.
Depois de muitas eleições se comportando como um estado-pêndulo, ele quase certamente votará em Trump em novembro. A nostalgia trumpista, com seu slogan “Make America Great Again” (Faça a América grande novamente), é especialmente poderosa na área, bastante afetada pela imigração e pela inflação —os eleitores de Trump têm uma crença inabalável de que ele reverterá essas questões.
O que significa “fazer a América grande novamente” para Carl Williams, 75, um aposentado que serviu na guerra do Vietnã e trabalhou na empresa de chocolate Hershey’s e no setor imobiliário?
“Precisamos voltar a ter uma fronteira que seja respeitada por ambos os lados”, afirma. A imigração desenfreada cria “metrópoles perigosas”, e a vida de seus parentes em estados fronteiriços foi “virada de cabeça para baixo”. Ele acha que o candidato republicano consertaria isso.
O dentista Steven Bradley representa todos os condados de Jones e a maior parte do condado de Jackson na legislatura do estado de Iowa. Ele recentemente passou três dias na fronteira do país com o México —disse, porém, que “todos os estados são fronteiriços agora” devido à disseminação de “heroína, cocaína, fentanil e metanfetamina”.
O dentista afirma que outro ponto na lista de maiores problemas dos EUA hoje é a inflação.
Iowa é um estado fortemente rural, pontilhado por inúmeras cidadezinhas ao longo de rodovias estreitas. “Muitas dessas cidades foram esquecidas, ignoradas,” diz Rachel Paine Caufield, cientista política da Universide Drake, em Des Moines. “Trump e outros republicanos realmente captaram um ressentimento, um sentimento de se estar sendo deixado para trás, esquecido, ridicularizado.”
Religião
Morgan Ramsour, 20, está animada para votar em sua primeira eleição para presidente. Ela frequenta a NorthRoad Church, uma igreja cristã evangélica sem afiliação a vertentes religiosas específicas no Missouri.
Para ela, discussões sobre política e partidos não entendem o principal, “como amar o próximo da melhor maneira possível?”.
Algumas das questões centrais desse pleito para ela são a oposição ao aborto e o gasto de dinheiro público com cidadãos americanos, em vez de imigrantes Trump pode ser um pecador, diz ela, mas suas posições representam mais claramente seus valores religiosos. “Se eu vir até mesmo uma faísca da minha fé sendo representada e protegida, meu voto será nisso”, afirma a jovem.
Como categoria demográfica nos EUA, os evangélicos brancos —que tendem a acreditar que a Bíblia é a palavra literal de Deus e que a salvação envolve um relacionamento pessoal com Jesus— têm apoiado Trump desde a sua primeira candidatura à Presidência.
Por quê? O republicano apela a uma parte dos EUA branca que acredita que seu protagonismo cultural está ameaçado. Ele também foi o responsável por indicar os juízes conservadores da Suprema Corte que derrubaram o direito ao aborto a nível federal, satisfazendo uma busca de décadas dos evangélicos para restringir o procedimento. Não menos importante, seu discurso ressoa com a crescente hostilidade dos evangélicos à imigração —um assunto recorrente nas congregações hoje.
A “grande maioria” dos evangélicos brancos continuaria apoiando o candidato haja o que houver, diz Kristin Kobes Du Mez, professora de história da Universidade Calvin.
Além disso, alguns dos apoiadores de Trump confundem política e religião, candidato e divindade. O próprio empresário também costuma abusar da iconografia religiosa, retratando a si mesmo como um mártir diante da opressão do Estado. Depois da tentativa de assassinato na semana passada, o candidato disse que “só Deus” poderia tê-lo salvado — e muitos líderes religiosos concordaram.
Tudo isso pode parecer estranho para quem acompanha a situação de fora. Os Evangelhos e a tradição cristã estão repletos de exortações para amar o que é diferente, cuidar dos estrangeiros e abrigar os necessitados.
Mas os evangélicos também tendem a favorecer costumes tradicionais e acreditam no respeito às leis. Alguns deles acham que a imigração ilegal ameaça ambos.
O que Trump realmente promete a seus apoiadores evangélicos brancos é um retorno à dominância cultural que está ameaçada, afirma Robert Jones, fundador do Instituto Público de Pesquisa sobre Religião.
“É essa ideia de um EUA cristão e branco dos anos 1950. É uma visão etnorreligiosa que ele está propondo”, declara o pesquisador.
Economia
Ao longo do último século, Oracle, Arizona —cuja população é de 3.150 habitantes — atraiu mineradores em busca de cobre e estrelas do início de Hollywood.
Mais recentemente, Sue Parra, 54, proprietária de um brechó, diz que a cidade viu um influxo de californianos ricos que venderam suas casas lá durante a pandemia e compraram propriedades ali. Eles foram atraídos pela proximidade da cidade com Tucson, a cerca de 40 minutos de carro dali, e por suas temperaturas mais amenas.
Mas o influxo criou problemas para gente como sua neta de 30 anos que, segundo Parra, está à procura de um imóvel, mas não consegue achar nada com um preço que consegue pagar.
O alto custo de moradia em todo o Arizona moldou as percepções dos moradores do estado sobre a economia dos EUA —e fez com que alguns deles sentissem saudades dos anos Trump.
Estado-pêndulo crucial, tendo sido vencido por Trump em 2016, e por Biden em 2020, ele vem registrando uma das maiores taxas de inflação de todo o território.
Nos últimos quatro anos, os preços das casas e aluguéis no Arizona subiram muito mais rápido do que no resto dos EUA. No final de 2019, 65% das casas vendidas em Phoenix, capital do estado, eram acessíveis para uma família com renda mediana. Mas no último trimestre de 2023, essa porcentagem havia caído para cerca de 22%.
Antes disso, “o Arizona era mais acessível do que a média nacional”, afirma George Hammond, da Universidade do Arizona.
Muitos moradores do estado têm reservas quanto a Trump, mas ainda sofrem com os efeitos da inflação.
“Eu gostaria que tanto democratas quanto republicanos tivessem candidatos mehores”, afirmou Judy Moorhead, uma professora aposentada de Scottsdale. Mas seu voto já estava decidido: “Tudo está mais caro. Vamos votar em Trump”.