O governo dos Estados Unidos quer anunciar na cúpula do G20, em novembro, um acordo de transição energética em que o Brasil seria fornecedor preferencial de minerais críticos para os americanos.
Minerais críticos como grafite, lítio, manganês, terras raras e níquel são necessários para fabricar inúmeros produtos de alta tecnologia e energia verde, como baterias de veículos elétricos, telas, turbinas eólicas, e painéis solares. Os EUA têm como objetivo reduzir sua dependência de cadeias de suprimento da China.
Mas o governo brasileiro quer garantias de que esse acesso preferencial teria, como contrapartida, investimento na cadeia produtiva de tecnologia de transição energética. E uma ala do governo está cética em relação à capacidade da Casa Branca de concretizar esses investimentos ou financiamento para projetos.
Além disso, teme que um acordo desses seja visto como um posicionamento na guerra fria entre China e EUA.
Representantes do Planalto estiveram em Washington em maio para discutir o tema e o secretário-assistente de Estado para Recursos Energéticos, Geoffrey Pyatt, foi a Brasília e Minas Gerais em julho.
As discussões são lideradas pelo Conselho de Segurança Nacional, ligado à Casa Branca, com participação do Departamento de Estado e do Departamento de Energia.
Integrantes do governo brasileiro temem pelo futuro dos projetos de transição energética caso o republicano Donald Trump vença a eleição presidencial de novembro. As negociações feitas agora são vistas como “perecíveis”.
Além disso, o governo brasileiro quer algumas ofertas mais tangíveis de financiamento e propostas de investimento.
O Brasil gostaria de ter acesso à Lei de Redução de Inflação dos EUA (IRA, na sigla e inglês), pacote do governo Biden que prevê bilhões em subsídios e incentivos fiscais para projetos em transição energética.
Por exemplo, se o IRA subsidiasse uma fábrica de baterias em determinado estado americano, uma empresa que abrisse uma planta no Brasil para fornecer insumos para as baterias se beneficiaria de incentivos fiscais.
Mas, hoje, apenas os países que têm acordo comercial com os Estados Unidos podem se beneficiar de alguns desses incentivos, além do Japão, que obteve uma permissão específica. Reino Unidos e União Europeia negociam autorização semelhante. Autoridades americanas acham difícil o Congresso americano aprovar permissões para outros países, mas afirmam que há outras provisões do IRA que poderiam beneficiar o Brasil.
Washington busca alternativas de financiamento, como o banco de fomento americano Development Finance Corporation (DFC). A diversificação da cadeia de fornecimento de minerais críticos é uma das prioridades do banco.
O DFC injetou US$ 30 milhões em um projeto de mineração de níquel e cobalto para baterias de lítio da empresa TechMet no Piauí.
Os americanos gostariam também que o Brasil aderisse à Parceria Global para Investimento e Infraestrutura (PGII, na sigla em inglês), a resposta dos EUA e do G7 para a Iniciativa Cinturão e Rota da China, que financia obras de infraestrutura no mundo.
Mas o governo brasileiro discute, no momento, se irá coroar a visita de Estado do líder chinês, Xi Jinping, com a entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota. A visita será em 20 de novembro, logo após a cúpula do G20 em novembro.
Xi vem insistindo na entrada do Brasil desde a visita de Lula à China, em abril de 2023. Mas o governo brasileiro ainda não bateu o martelo, pois acredita que não há muitas vantagens em entrar formalmente na iniciativa, já que o investimento chinês já está vindo para o país.
O acordo com os EUA deve ser discutido pela secretária de Energia, Jennifer Granholm, durante o encontro do grupo de trabalho de transição energética do G20, no início de outubro, em Foz do Iguaçu. Washington também gostaria que o Brasil participasse das Parceria para Segurança Mineral, iniciativa com 13 países importadores de minérios, que, segundo os EUA, seria uma maneira de galvanizar investimentos.
Em julho, o secretário-assistente Pyatt esteve em Brasília falando sobre o IRA e em Minas Gerais, onde a descoberta de reservas de lítio no Vale do Jequitinhonha tem gerado uma onda de investimentos por empresas como a Sigma Lithium e a Atlas Lithium. Na região de Poços de Caldas, a descoberta de terras raras também gerou investimentos por parte da empresa Meteoric.
Essa ofensiva faz parte da estratégia americana de “friendshoring”- transferir para países aliados o fornecimento de minerais críticos. Hoje, a China responde por 60% da produção global e 90% da exportação de terras raras, pela produção de 77% do grafite, 88% do magnésio refinado, 98% do gálio, 67% do titânio e 81% do tungstênio.
A República Democrática do Congo responde por 70% da produção de cobalto e a grande maioria das empresas que exploram o mineral no país são chinesas.
Segundo levantamento do Serviço Geológico dos EUA, os EUA dependem diretamente da China para fornecimento de 8 minerais críticos – antimônio, arsênio, bismuto, grafite, terras raras, tântalo, tungstênio e ítrio.
Em resposta às sanções dos EUA que limitam o acesso da China a chips avançados, necessários para treinar inteligência artificial, Pequim vem restringindo sua exportação de terras raras e proibiu, em dezembro de 2023, a venda de tecnologia de processamento desses insumos.
O Brasil produz 90% do nióbio mundial e tem 94% das reservas mundiais, 22,5% das reservas de grafite, 16% de terras raras (terceira maior do mundo) e 16% de níquel.
Em relatório, o instituto de pesquisas Center for Strategic and International Studies, que criou uma área dedicada ao tema, afirma que os “Estados Unidos não vão conseguir manter sua liderança em segurança nacional e energia sem reduzir a dependência de adversários estrangeiros ara o fornecimento de minerais críticos” e prega que o governo faça “novas alianças geopolíticas com países do Sul Global ricos em recursos”.
“Definitivamente existe uma competição pelos recursos que precisamos para impulsionar a transição energética. A China saiu na frente dos Estados Unidos em termos de identificar a importância estratégica dessa indústria da transição energética, mas nós estamos alcançando”, diz Pyatt à Folha em julho.