Nos últimos 50 anos, os Estados Unidos se tornaram bons em perder guerras.
Nós [os americanos] nos retiramos humilhados de Saigon, no Vietnã, em 1975; de Beirute, em 1984; de Mogadíscio, na Somália, em 1993; e de Cabul, no Afeganistão, em 2021. Nós [os americanos] nos retiramos de Bagdá em 2011, apenas para retornar três anos depois, quando o Estado Islâmico invadiu o norte do Iraque e tivemos que detê-lo, o que, com a ajuda de iraquianos e curdos, conseguimos. Nós [os americanos] obtivemos vitórias limitadas contra Saddam Hussein em 1991 e Muammar Gaddafi em 2011, somente para atrapalhar o final do jogo.
O que restou? Granada, Panamá, Kosovo: microguerras que tiveram baixas mínimas dos EUA e que mal são lembradas hoje em dia.
Se você for de esquerda, provavelmente dirá que a maioria dessas guerras, se não todas, foi desnecessária, impossível de ser vencida ou indigna.
Se você é de direita, talvez diga que elas foram mal conduzidas com força inadequada, muitas restrições sobre a maneira como a força poderia ser usada ou uma vontade excessiva de se retirar antes de concluirmos o trabalho.
De qualquer forma, nenhuma dessas guerras foi sobre a existência americana. A vida nos Estados Unidos não teria mudado materialmente se, por exemplo, Kosovo ainda fosse parte da Sérvia.
Mas e quanto às guerras existenciais?
Sabemos como os EUA lutaram nessas guerras. Durante o cerco de Vicksburg [batalha travada na Guerra Civil dos EUA que marcou o início da derrota dos estados do Sul], em 1863, a fome “cedeu lugar à inanição, pois cães, gatos e até ratos desapareceram da cidade”, observou Ron Chernow em sua biografia de Ulysses Grant [general que à época da guerra comandava o Exército do Tennessee e ex-presidente americano]. A União não enviou comboios de alimentos para aliviar o sofrimento dos sulistas inocentes.
Na Segunda Guerra Mundial, os bombardeiros aliados mataram cerca de 10 mil civis na Holanda, 60 mil na França, 60 mil na Itália e centenas de milhares de alemães. Tudo isso fazia parte de uma política anglo-americana declarada para minar “o moral do povo alemão até o ponto em que sua capacidade de resistência armada fosse fatalmente enfraquecida”. Seguimos uma política idêntica contra o Japão, onde os bombardeios mataram, segundo algumas estimativas, quase 1 milhão de civis.
Grant está na nota de US$ 50. O retrato de Franklin Roosevelt está pendurado no Salão Oval. A bravura das tripulações de bombardeiros americanos é celebrada em programas como “Masters of the Air” da Apple TV+. As nações, especialmente as democracias, muitas vezes têm dúvidas sobre os meios que usam para vencer guerras existenciais. Mas elas também tendem a canonizar líderes que, diante da terrível escolha de males que toda guerra apresenta, ainda assim escolheram vitórias moralmente comprometidas em vez de derrotas moralmente puras.
Hoje, Israel e Ucrânia estão envolvidos no mesmo tipo de guerra. Sabemos disso não porque eles dizem isso, mas porque seus inimigos dizem. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, acredita que o Estado ucraniano é uma ficção. O Hamas, o Hezbollah e seus patronos no Irã pedem abertamente que Israel seja varrido do mapa. Em resposta, ambos os países querem lutar de forma agressiva, com a visão de que só podem alcançar a segurança destruindo a capacidade e a vontade de guerra de seus inimigos.
Isso geralmente termina em tragédia, como aconteceu no domingo (26), quando um ataque aéreo israelense contra líderes do Hamas causou a morte de pelo menos 45 civis em Rafah. Essa sempre foi a história da guerra. Termos como “armas de precisão” podem alimentar a noção de que é possível para os militares modernos atingir apenas os alvos pretendidos. Mas isso é uma fantasia, especialmente contra inimigos como o Hamas, cujo método é lutar e se esconder entre os inocentes para que possa ser salvo da destruição pela preocupação do mundo com os inocentes.
Também é uma fantasia imaginar que você pode fornecer a um aliado como a Ucrânia armamento suficiente e do tipo certo para repelir o ataque da Rússia, mas não tanto a ponto de provocar uma escalada da Rússia. As guerras não são um mingau; quase nunca há uma abordagem do tipo “Cachinhos Dourados” para que tudo dê certo. Ou você está no caminho da vitória ou no caminho da derrota.
No momento, o governo Biden está tentando conter Israel e ajudar a Ucrânia enquanto opera sob ambas as ilusões. Está pedindo a eles que lutem suas guerras mais ou menos da mesma forma que os Estados Unidos lutaram suas próprias guerras nas últimas décadas: com meios limitados para o que é necessário para vencer e um olho na possibilidade de um acordo negociado. Como é possível, por exemplo, que até hoje a Ucrânia não tenha F-16s para defender seus próprios céus?
A curto prazo, a abordagem de Biden pode ajudar a aliviar a angústia humanitária, acalmar círculos eleitorais enfurecidos ou eliminar a possibilidade de escaladas acentuadas. A longo prazo, é uma receita para obrigar nossos aliados a perder.
Um “acordo de paz” com Moscou que a deixe em posse de vastas áreas do território ucraniano é um convite para uma terceira invasão quando a Rússia recapitalizar suas forças. Um cessar-fogo com o Hamas que deixa o grupo no controle da Faixa de Gaza significa que ele inevitavelmente iniciará outra guerra, assim como fez cinco vezes antes. Isso também justifica a estratégia de usar populações civis como escudos humanos, algo que o Hezbollah certamente copiará em sua próxima guerra em grande escala contra Israel.
Biden fez um discurso comovente no Memorial Day no Cemitério Nacional de Arlington, no estado da Virgínia, na segunda-feira (27), homenageando gerações de soldados que lutaram e caíram “na batalha entre a autocracia e a democracia”. Mas a tragédia da recente história de batalhas dos Estados Unidos é que milhares desses soldados morreram em guerras que não tínhamos vontade de vencer. Eles morreram por nada, porque Biden e outros presidentes decidiram tardiamente que tínhamos prioridades melhores.
Esse é um luxo que países seguros e poderosos como os EUA podem se dar. Não é o caso dos ucranianos e israelenses. O mínimo que podemos fazer por eles é entender que não têm opção de lutar, a não ser da maneira que fizemos no passado, quando sabíamos o que era necessário para vencer.