Já são 15 anos em que a China é a maior parceira comercial do Brasil, e a dianteira só aumentou desde então. Foram US$ 159,5 bilhões em corrente de comércio em 2023, mais que o dobro dos US$ 74,5 bilhões em transações brasileiras com os Estados Unidos. Sem ter como competir em escala com Pequim, na esteira do bicentenário das relações bilaterais entre os países, os americanos têm buscado focar o que chamam de qualidade dos negócios.
“Ao longo desses 200 anos, essa foi uma constante, com interesses muito grandes dos dois lados e benefícios para ambos. Brasil e EUA foram além dos negócios, gerando parcerias em áreas como cultura, tecnologia, educação, ciência”, diz Abrão Neto, CEO da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham).
Para Carlos Gustavo Poggio, professor de ciência política na Berea College, nos EUA, o peso da China desafia a hegemonia americana do ponto de vista comercial, mas ressalva: “Ainda que Pequim seja o maior parceiro, os investimentos diretos dos EUA são muito maiores.”
O estoque de investimentos americanos no Brasil é de US$ 167 bilhões, um quinto do valor investido por estrangeiros no país, e o mercado americano representa cerca de 40% do comércio total do Brasil em serviços, especialmente os de alto valor agregado, segundo a Amcham.
Neto aponta que um dos resultados da longeva relação entre os dois países é que os EUA são o principal parceiro econômico em uma visão mais abrangente, que considera intercâmbio de investimentos e comércio de bens e serviços. Segundo ele, as relações entre os dois países chegam ao bicentenário com uma situação forte, positiva para os dois países. Nos últimos cinco anos, por exemplo, a corrente de comércio entre Brasil e EUA cresceu 16,1%, atingindo seu pico histórico em 2022, com US$ 88,7 bilhões.
Enquanto 70% das exportações brasileiras para a China se concentram em apenas três produtos (petróleo bruto, minério de ferro e soja), a pauta comercial com os EUA é mais diversificada e inclui 49 grupos de produtos que constituem a mesma proporção de vendas externas.
“É uma pauta que o Brasil não tem, com a mesma qualidade, com nenhum outro parceiro”, afirma Neto. Produtos como aço, aviões, equipamentos para construção civil, suco de laranja, motores elétricos e autopeças estão entre os principais itens exportados para os EUA, evidenciando a diversidade e o valor agregado.
Apesar da perspectiva positiva apresentada pela Amcham, as relações entre Brasil e EUA também são influenciadas pelas disputas geopolíticas em nível global. Um ponto central é o crescimento da influência da China, no que já tem sido chamado de Guerra Fria 2.0. Neste contexto, os acenos do governo brasileiro a Pequim e uma maior proximidade com o Sul Global são percebidos por alguns como um posicionamento contra os EUA.
“A política é parte indissociável da relação entre dois países. É um elemento direcionador muito importante para a construção de um relacionamento diplomático, político e econômico forte. Nesses 200 anos, notamos uma estabilidade muito marcante entre Brasil e EUA”, diz Neto.
A ideia de estabilidade é defendida também por quem estuda os laços bilaterais. Segundo Poggio, ao longo de dois séculos houve poucos momentos de afastamento ou de aproximação fora do padrão, ainda que as notícias de disputas circunstanciais possam dar essa impressão. “Pode haver pequenos altos e baixos, mas nada que comprometa a solidez da relação”, diz.
Às vésperas de uma eleição presidencial nos EUA, com a possibilidade de o ex-presidente Donald Trump voltar ao poder e implementar uma agenda mais isolacionista, os especialistas ouvidos pela Folha dizem não crer em risco para as relações entre os dois países, especialmente na economia.
“Existem algumas orientações e relações básicas de política externa que não mudam muito de governo para governo nem são diretamente afetadas pela política interna”, diz o cientista político Anthony W. Pereira, professor da Florida International University. “EUA e Brasil têm muitas afinidades culturais, investimento mútuo nas economias um do outro, uma grande e crescente população brasileira nos EUA, laços comerciais significativos e posições comuns sobre muitas questões.”
Poggio reforça essa percepção e afirma que é difícil encontrar questões políticas que possam afetar os laços econômicos entre os países. “Pouco das relações comerciais entre os dois países depende de quem é o presidente. É a sociedade, são as empresas brasileiras e americanas que ajudam a gerar essas trocas. A política não é tão relevante quanto a sociedade e a globalização como um todo.”