Um apelo inédito foi enviado à Suprema Corte dos Estados Unidos nesta semana: recusem o pedido de imunidade feito por Donald Trump. Trata-se de um “amicus brief” (documento usado por terceiros para intervir em apoio a uma ação legal) e foi assinado por 19 generais e almirantes da reserva, além de civis que ocuparam o alto escalão do Pentágono.
No documento de 38 páginas, os assinantes alegam que tornar Trump, alvo de 88 acusações criminais, imune diante da Justiça será uma ameaça à segurança nacional, à estabilidade de democracia global e terá impacto profundamente negativo sobre a capacidade das Forças Armadas de cumprir ordens do Executivo sem violar as leis vigentes.
No final de julho de 1974, o primeiro passo para o provável impeachment de Richard Nixon completou-se na Câmara dos Deputados. O voto para retirar Nixon da Presidência não aconteceu no Senado porque Nixon renunciou no dia 9 de agosto, após o senador Barry Goldwater ir à Casa Branca avisar ao chefe de Estado implicado no escândalo Watergate que o Partido Republicano não o apoiava mais.
Dias depois, foi revelado ao público um drama de bastidores excepcional na história da República. Quando o impeachment se tornou inevitável, o alarmado secretário de Defesa James Schlesinger, um civil, combinou com o general Michael Brown, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, de monitorar detalhadamente ordens para comandantes militares.
Schlesinger temia que Nixon, àquela altura constantemente bêbado e esbravejando para os retratos de antecessores na Casa Branca, tentasse emitir uma ordem direta para algum oficial das três forças.
O ineditismo deste acordo verbal se explica porque ele revelava um potencial crime contra a Constituição, que define o presidente como o comandante em chefe das Forças Armadas. Do sargento ao general estrelado, todos juram acatar ordens do chefe do Executivo. Ao contrário da esbórnia pornográfica promovida pelo deplorável Walter Braga Netto, os comandantes militares americanos tendem a polir, em ações e palavras, a imagem apolítica das forças.
O filho de um oficial da ativa durante o governo Nixon confirmou a esta colunista que o dilema de cumprir ordens do desequilibrado presidente era francamente discutido na caserna. E um historiador da relação entre civis e militares nos EUA sugeriu, numa conversa já no primeiro ano de mandato de Trump, que a mesma angústia era notada entre oficiais.
Afinal, o gângster delirando no Salão Oval chegou, em 2017, a mandar seu secretário de Defesa James Mattis assassinar o ditador da Síria, Bashar al-Assad, como quem encomenda uma pizza. (“Não vamos fazer nada disso,” avisou Mattis a quem testemunhou a conversa por telefone com Trump).
O risco real de Trump voltar à Casa Branca tem aumentado o debate sobre “o dever de desobedecer” incluído no código da Justiça militar americana. O conceito emergiu depois da Segunda Guerra, quando os réus nazistas do Tribunal de Nuremberg alegaram que estavam apenas cumprindo ordens.
Trump tem prometido em comícios que seu segundo mandato vai ser usado para aplicar vinganças. Seus advogados sugeriram num tribunal, em janeiro, que, como presidente, ele teria imunidade para encomendar o assassinato de adversários aos Seals, a tropa de elite da Marinha.
Como explicar que a candidatura de Trump continue a ser coberta na imprensa como uma campanha política habitual?
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.