Em 1997, Walter Johnson se apresentou perante o juiz Frederic Block em um tribunal federal do Brooklyn, em Nova York, após ser condenado por roubo, posse de cocaína e manipulação de testemunhas —apenas os casos mais recentes em uma série de crimes que envolviam armas, drogas e violência.
Block chamou Johnson de “exemplo clássico de uma pessoa que precisa ser incapacitada para que a sociedade esteja protegida”. Em seguida, condenou Johnson a cinco penas de prisão perpétua.
Na quinta (17), Block considerou a punição que impôs há 27 anos muito severa, fruto de leis mal concebidas e de sua própria inexperiência. Ele determinou a soltura de Johnson que, horas depois, saiu da prisão e voltou à sociedade.
“Os juízes adquirem percepções que, com o passar do tempo, só podem vir com experiência no tribunal e maturidade judicial”, escreveu Block em sua decisão concedendo a liberdade a Johnson.
“Assim como os prisioneiros que evoluíram para se tornarem melhores durante seus longos períodos de encarceramento, os juízes também evoluem com o passar dos anos atuando nos tribunais”, acrescentou.
Aos 90 anos, Block ainda é jurista no mesmo tribunal federal de Nova York de onde sentenciou Johnson. Ele diz ter visto mudanças nos padrões de sentença com o tempo e lutado internamente com o assunto, o suficiente para levá-lo a publicar um livro em que argumenta pela revisão de sentenças excessivamente punitivas.
Na quinta-feira, Block colocou essa filosofia em ação, corrigindo uma sentença que, embora de acordo com a lei, ele agora a considerava “excessivamente severa”.
Naquela manhã, Johnson, 61, atormentado por problemas de saúde, foi chamado ao telefone na FCI (Instituição Correcional Federal, na sigla em inglês) em Otisville, no interior de Nova York, onde passou os últimos 16 anos. Foi informado de que seria libertado em poucas horas.
“O juiz Block me deu um presente que eu nunca pensei que viria”, disse Johnson logo após sua libertação.
Em entrevista por telefone, Block chamou sua decisão de “a mãe de todas as decisões de libertação compassiva até agora”. Disse também que ela reflete uma mudança de perspectiva sobre prisioneiros que suportam suas punições até a velhice.
A história de Johnson começou décadas antes no condomínio de moradia popular Cypress Hills no Brooklyn, onde, ainda adolescente, começou a se envolver com quadrilhas criminosas.
Seus delitos incluíam assaltar vagões inteiros da linha F do metrô de Nova York. Em 1982, Johnson foi condenado por roubar 300 testemunhas de Jeová na igreja de sua própria mãe. E em 1983, foi condenado por assaltar os passageiros de um ônibus.
Até meados da década de 1990, ele acumulou mais de uma dúzia de condenações e cumpriu várias sentenças em penitenciárias estaduais e em Rikers Island, localizada numa ilha em Nova York. Em 1993, Johnson foi absolvido da acusação de envolvimento em um tiroteio contra dois policiais de folga durante o roubo a uma barbearia no Brooklyn.
Ele também foi questionado sobre uma suposta conexão com o ataque a tiros contra o rapper Tupac Shakur fora de um estúdio de gravação em Manhattan, em 1994. Shakur, em sua música “Against All Odds” em 1996, alertou: “Aqui vamos nós, tiros para Tut.” Johnson negou ter participado do caso.
“Eu sabia que era um indivíduo problemático e cometi alguns erros, mas disse a mim mesmo: ‘Eu não posso ser esse cara que merece cinco penas de prisão perpétua'”, disse Johnson, que passou seu primeiro dia de liberdade com sua esposa, Natoka Johnson.
Na prisão, o histórico disciplinar de Johnson foi exemplar, disseram Block e Mia Eisner-Grynberg, advogada de Johnson e defensora pública federal no Brooklyn.
Johnson se envolveu em programas prisionais e ajudou outros detentos, “O juiz não percebe que o que ele fez foi, na verdade, uma das melhores lições que já me foram ensinadas. Ele realmente salvou minha vida porque, quando eu estava na sociedade, eu não pensava muito em mim mesmo”, disse Johnson.
Após ser preso pela primeira vez, aos 14 anos, Johnson disse que se envolveu cada vez mais com gangues violentas que dominavam as ruas de seu bairro. “Fui ensinado à violência e comportamentos destrutivos”, escreveu em uma carta a Block. “Eu me sentia como um cativo da dor, confusão, medo e ódio que via diariamente” e acreditava “que só poderia ser um bandido, pária, criminoso e gangster.”
Nem todos estavam torcendo por Johnson. Promotores federais no Brooklyn se opuseram à diminuição de sua sentença.
“Nada nas circunstâncias atuais do réu ou no tempo na prisão endossa uma redução de sentença, dada a natureza hedionda desses crimes”, escreveu a promotora Amanda Shami em um documento judicial.
Patrick Hendry, presidente da Associação Benevolente da Polícia da Cidade de Nova York, chamou a decisão de libertar Johnson de “perigosa tanto para os policiais quanto para as comunidades”.
“O sistema de justiça envia uma mensagem muito perigosa quando dá um passe livre a notórios e violentos reincidentes”, disse Hendry em comunicado. “Quando alguém com esse tipo de histórico horrendo sai da prisão, os criminosos tomam nota.”
A sentença de Johnson foi proferida em um momento em que Nova York e o país eram devastados por episódios de crimes violentos e pela epidemia de crack. Em resposta a um clamor público, uma lei federal foi aprovada em 1994 para impor penas de prisão perpétua para certos reincidentes —criminosos como Johnson.
Nos anos seguintes, críticos chamaram a lei de ineficaz e rígida. Em 2018, a legislação First Step Act foi aprovada com enorme margem bipartidária e o apoio do presidente Donald Trump. O ato reformulou as sentenças federais e permitiu que juízes de tribunais distritais reconsiderassem suas sentenças, e que prisioneiros buscassem libertação compassiva.
Eisner-Grynberg escreveu em uma carta a Block que a sentença estava “fora de sintonia” com os padrões atuais, e que Johnson merecia uma segunda chance, dada “sua sentença excessivamente longa e incomum”.
Ao mesmo tempo, Block refletia sobre a carreira. Seu livro, “Uma Segunda Chance: Um Juiz Federal Decide Quem Merece,” defende dar aos juízes maior autonomia para revisar sentenças que poderiam ser amenizadas anos depois, especialmente dadas as mudanças nas leis e nas atitudes em relação à reabilitação.