Os Estados Unidos anunciaram nesta terça (19) a criação de uma força-tarefa multinacional para salvaguardar o trânsito de navios mercantes pelo mar Vermelho, de onde grandes transportadoras foram obrigadas a desviar suas rotas para evitar ataques de rebeldes houthis do Iêmen.
O grupo, em guerra civil desde 2014 contra o governo local, é bancado pelo Irã e, como Teerã, apoia o Hamas em sua guerra contra Israel. Nas dez semanas do conflito, os rebeldes dispararam mísseis e drones tanto contra território israelense quanto atacaram e até sequestraram um navio perto de sua costa.
O anúncio, que era amplamente esperado, foi feito pelo secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, que esteve na véspera em Israel e nesta terça visita o Barhein, um dos países que integrará a força-tarefa.
Austin falou a 40 ministros da Defesa por videoconferência, pedindo apoio à iniciativa. Até aqui, além do pequeno país árabe, Reino Unido, Itália, França, Canadá, Holanda, Noruega, Espanha e as ilhas Seychelles afirmaram que irão colaborar.
O anúncio não mudou, por ora, os ânimos de lado a lado. Um porta-voz houthi disse que haveria novos ataques, e que eles visam atingir embarcações com algum tipo de ligação com Israel, o que não é verdade na prática. Houve dois novos incidentes reportados nesta terça, mas sem aparente danos a navios.
As empresas transportadoras, por sua vez, continuaram a desviar seus navios da região. “Nós temos fé que uma solução que permita o retorno usando o canal de Suez e transitando o mar Vermelho e o golfo de Áden será introduzida no futuro próximo, mas neste momento segue difícil determinar exatamente quando isso vai ocorrer”, afirmou a dinamarquesa Maersk em nota nesta terça.
A Maersk e a MSC, que também desviou seus navios, respondem por cerca de 50% do mercado mundial de transporte marítimo. Outras nove grande empresas, como a alemã Hapag-Lloyd e a taiwanesa Evergreen, fizeram o mesmo até aqui.
Além disso, ao menos uma grande operadora de petróleo e gás, a BP britânica, suspendeu o trânsito de seus petroleiros na região, a rota mais curta entre os produtores do golfo Pérsico e a Europa. Todos agora vão circunavegar a África em vez passar pelo canal de Suez, no Egito, o que adiciona em média uma semana às viagens.
Por ora, isso se reflete em custos imediatos de operação, mas o temor no mercado é que o prolongamento da situação afete diretamente preços do petróleo e de outros produtos. Uma disrupção grave de cadeias produtivas, como se viu na pandemia, contudo não é esperada.
Segundo a consultoria Vortexa disse à agência Reuters, a crise faz uma viagem de transporte de petróleo cru desviada de Suez ficar até 25% mais cara num primeiro momento. Muitos navios terão de dar meia-volta. O preço do barril subiu 1,83% na segunda, quando a crise ficou evidente.
O canal, que gera R$ 50 bilhões anuais em pedágios de trânsito para o Egito, é via de 9% do comércio internacional de petróleo e gás liquefeito. Nesta terça, a Autoridade do Canal de Suez divulgou comunicado afirmando acompanhar a situação, e disse que de 19 de novembro para cá, 2.128 navios haviam passado pela via de 192 km construída no século 19.
Até a decisão das transportadoras, apenas 55 haviam mudado de curso devido às ameaças. Muitos navios agora têm guardas armados e a maioria tenta mascarar sua posição eletronicamente quando passam perto do Iêmen, em especial no temido estreito Bab al-Mandab, o Portão das Lamentações.
Já há forças-tarefas multinacionais agindo na região contra piratas, principalmente da Somália, então a logística da chamada Operação Guardião da Prosperidade não deverá ser complexa. “Parece que estão dando uma marca nova para a Força-Tarefa 153, focada na região”, afirmou o analista naval Nick Childs, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (Londres).
Desde 2002, os 40 países para quem Austin se dirigiu operam as Forças Marítimas Combinadas a partir do mesmo Barhein de onde ele falou. “Este é um desafio internacional que demanda ação coletiva”, afirmou Austin.
Os EUA, além dos navios usualmente na região sob o controle do Comando Central do país, deslocaram em apoio a Israel para dissuadir o Irã e seus aliados de agir contra o Estado judeu na guerra dois grupos de porta-aviões para a área.
Um deles está no Mediterrâneo e outro, circulando entre o golfo Pérsico e o mar Arábico, com destróieres de sua formação em ação no mar Vermelho —por onde passa de 12% a 15% do comércio marítimo internacional.
Há um motivo extra para a motivação multinacional dos EUA, contudo. A maior base do país no Oriente Médio fica em Djibuti, pequeno país africano cuja costa tem em um ponto apenas 26 km de distância do Iêmen. Isso torna a instalação, Camp Lammonier, particularmente vulnerável a ataques houthis.
Os rebeldes já mostraram eficácia em lançar mísseis de cruzeiro e drones contra Eilat, o sul israelense, um alvo a 1.500 km de distância. Não causaram danos porque havia navios de guerra ocidentais a abater os projéteis no caminho e a formidável defesa antiaérea de Israel esperando os ataques.
Mas poderiam causar bastante estrago em Dijbuti, e de quebra fazer o governo local repensar sua política de abrigar bases estrangeiras, como a primeira instalação militar que a China estabeleceu no exterior, não muito distante da americana.
E Camp Lammonier é o maior centro de drones americanos na região, instrumento vital para os interesses de Washington. Este, ao lado da vontade de evitar uma escalada maior com o Irã, são os motivos centrais para que os EUA não bombardeiem diretamente bases houthis, como seria a praxe.