Analistas afirmam ver risco de um aumento na violência política nos Estados Unidos após o ataque a tiros sofrido pelo ex-presidente Donald Trump em um comício na Pensilvânia, no sábado (13).
“A democracia dos Estados Unidos não chegava tão perto do precipício desde o período que antecedeu a Guerra Civil”, escreveu o mestre em filosofia Luke Hallam, editor da newsletter Persuasion.
Os temores são, em certa medida, compartilhados pela população americana. Uma pesquisa conduzida pela empresa Marista em todo o território nacional e divulgada em maio apontava que quase metade dos americanos (47%) acham que há chances de eclodir outra guerra civil no país.
Enquanto isso, um levantamento do Projeto de Segurança e Ameaças da Universidade de Chicago de junho mostrava que 10% da amostragem —um terço dos quais disseram ter armas— acreditam que “o uso da força é justificado para impedir que Donald Trump se torne presidente”. E 7%, metade dos quais afirmaram ter armas, “apoia o uso da força para garantir que Trump volte para a Presidência” do país.
“É uma combinação explosiva: o país com o maior número de armas do mundo com um ambiente de embate político que passa por um processo de desumanização do adversário”, diz Carlos Gustavo Poggio, professor de departamento de Ciência Política do Berea College, em Kentucky.
Segundo ele, o uso do ódio como cabo eleitoral e os ataques diretos e agressivos a adversários fazem parte do estilo de Trump, que vem injetando isso na disputa política desde 2016.
“Após um episódio traumático como esse [o atentado], há dois caminhos possíveis: a conciliação ou simplesmente reforçar as diferenças. Temos visto esse segundo cenário, com democratas insistindo em teorias da conspiração, dizendo que o atentado foi armado, e republicanos culpando Biden.”
Feliciano Guimarães, professor de Relações Internacionais da USP (Universidade de São Paulo), aponta para o fato de que Biden e Trump terem ido a público pedir união mostrou que algumas linhas vermelhas foram cruzadas, e que ambos sabem do perigo de uma situação como essa crescer.
Mas a verdadeira situação do país só poderá ser avaliada nas próximas semanas, ele prossegue. “Temos lideranças destrutivas, de extrema direita e extrema esquerda, que têm uma linguagem muito violenta, de que o outro precisa ser eliminado. Cria-se um caldo de cultura que é propício para um lobo solitário agir, como parece ter ocorrido.”
De fato, tanto as campanhas do democrata Joe Biden quanto a do republicano Donald Trump parecem estar tentando calibrar os discursos para não acirrar as tensões. Dirigentes da segunda, Susie Wiles e Chris La Civita, enviaram um memorando interno afirmando que “não vão tolerar o uso de retórica perigosa nas redes sociais”. O próprio Trump tem ressaltado a união em suas postagens.
Mas não está claro quanto tempo vai durar a versão “paz e amor” do Trump convalescente. E seus aliados e familiares parecem não estar seguindo o mesmo roteiro. Continuam culpando Biden e os democratas pelo atentado.
Na manhã de domingo (14), por exemplo, Donald Trump Jr., filho do ex-presidente, fez a seguinte publicação numa rede social: “Os democratas e seus amigos na mídia sabiam exatamente o que estavam fazendo com esse negócio de ‘literalmente Hitler’. Se os democratas tivessem conseguido o que queriam, meu pai estaria morto neste momento.”
Democratas, por sua vez, suspenderam por alguns dias toda a propaganda política que estavam veiculando. Boa parte dos anúncios enfatizava a mensagem de que Trump é uma “ameaça contra a democracia”.
No campo progressista, muitos duvidam que Trump vá adotar uma postura mais moderada. “Quando foi tirado do palco, Trump olhou para o público e disse ‘lutem, lutem, lutem’. Ele não vai ser um líder unificador, da mesma maneira que [Jair] Bolsonaro não foi, após a facada”, diz Jason Stanley, professor de filosofia da Universidade Yale. “E não há nenhuma dúvida de que a retórica de Trump estimula violência, basta olhar para o 6 de janeiro.”
O ex-presidente incitou apoiadores a contestarem o resultado eleitoral em 2021 e protestarem no Congresso. A invasão deixou cinco mortos.
Ele também ironizou o ataque contra Paul Pelosi, marido da ex-presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi. Em 2022, ele levou uma martelada na cabeça de um apoiador republicano.
Os EUA são um país com um longo histórico de violência política. Ao menos 14 presidentes e candidatos presidenciais foram vítimas de atentados no país. Destes, quatro presidentes (Abraham Lincoln, James Garfield, William McKinley, John Kennedy) e um candidato (Bobby Kennedy) morreram assassinados.
O último presidente a sofrer um ataque durante o mandato foi Ronald Reagan, em 1981. Ele levou um tiro de um homem obcecado com atriz Jodie Foster —a bala perfurou seu pulmão, passando perto do coração.
Já o último candidato atacado foi o segregacionista George Wallace. Baleado em 1972, ele ficou parcialmente paralisado e usando cadeira de rodas até sua morte.
“Há uma quantidade crescente de ameaças a políticos no país, o risco de violência é muito alto”, diz Oliver Stuenkel, pesquisador da Universidade Harvard.