A oposição reviveu, Narendra Modi sobreviveu, mas ficou claro que inflamar tensões entre hindus e muçulmanos deixou de ser fórmula garantida para ganhar votos. Esse é o diagnóstico do cientista político Sanjay Kumar, um dos mais prestigiados da Índia, sobre as eleições gerais recém-concluídas.
A aliança liderada pelo BJP, a legenda do primeiro-ministro Modi, conseguiu a maioria da Lok Sabha (Câmara baixa). A vitória, porém, teve gosto de derrota, pois o partido perdeu muitos assentos e não detém mais a maioria sem os aliados da coalizão.
Mesmo assim, para Kumar, é cedo para falar em um ocaso de Modi, que costumava ganhar com votações avassaladoras e tinha aura de invencível.
“Acho que a popularidade dele chegou a um pico, não cresce mais”, disse. “Mas não se tratou de uma onda que levou as castas mais baixas a abandonarem o BJP. O partido teve ganhos em estados mais para o sul”, disse Kumar, que é codiretor do programa Lokniti do Centro de Estudos das Sociedades em Desenvolvimento (CSDS, na sigla em inglês).
O centro em que o sr. atua publicou uma pesquisa apontando que mais de 60% dos indianos citavam desemprego e inflação como principais preocupações. O resultado da eleição mostrou isso?
Sim. O BJP sofreu perdas muito grandes em vários estados no norte, como Rajastão, Haryana, Uttar Pradesh e Bihar, e foi lá que a oposição mais bateu nessas questões. Nas nossas pesquisas, os eleitores desses estados apontavam essas preocupações. Mas claro que houve outros fatores.
Por exemplo, Modi afirmou que o BJP queria atingir 370 assentos para mudar a Constituição. E havia o temor entre eleitores de que essa mudança fosse reduzir as cotas para as castas mais baixas (dalits e outras castas prejudicadas, as OBCs). Muitas pessoas nesses estados são beneficiárias dessas cotas. Isso prejudicou o BJP, mas, definitivamente, desemprego e alta de preços tiveram um papel [maior].
O líder do opositor Partido do Congresso disse que “os pobres salvaram a Constituição”. Houve uma migração em massa desses eleitores do BJP para seus adversários?
Isso parece ter ocorrido em Uttar Pradesh, mas não se tratou de uma onda levando as castas mais baixas a abandonarem o BJP. O partido teve ganhos em estados mais para o sul, como Tamil Nadu, Andhra Pradesh, Telangana e Kerala. Não seria razoável dizer que houve uma onda nacional contra o partido.
O BJP apostou que a construção do templo hindu de Ram, em Ayodhya, onde ficava uma mesquita, e outras questões religiosas mobilizariam os eleitores. Isso ocorreu?
Não, de jeito nenhum, e foi isso que atrapalhou o BJP. Eles tentaram fazer do templo um tema central, mas nem esse tema nem questões religiosas em geral reverberaram com o eleitorado. Mal se falou disso.
Modi aprofundou um discurso anti-islâmico na campanha. Foi uma estratégia eleitoral eficiente?
Os resultados mostram que as tensões entre hindus e muçulmanos não são mais uma fórmula garantida para mobilizar eleitores. Em diversas ocasiões, essa retórica foi usada por Modi, de incutir o medo dos muçulmanos nos hindus a favor do BJP, mas há um limite de ganhos eleitorais. Não diria que os eleitores rejeitam totalmente esse discurso, mas o BJP não consegue ampliar o apoio ao partido com esse instrumento.
A fórmula de Modi de combinar programas sociais, investimento em infraestrutura e nacionalismo religioso está esgotada?
Não diria isso. Os programas sociais que beneficiam grande parte das camadas mais pobres ainda geram muito apoio ao BJP. Nos últimos anos, houve uma migração maciça de eleitores para o partido por causa desses benefícios, e os votos que o BJP conseguiu reter devem-se a isso. Mas acirrar as tensões entre hindus e muçulmanos deixou de render dividendos políticos.
Acho, inclusive, que eles vão reduzir a ênfase nesses temas, agora que precisam negociar com membros da coalizão. Grandes partidos que fazem parte da coalizão têm, em seus estados, um eleitorado muçulmano considerável, e eles não vão querer desagradar a esses votantes. Será difícil o BJP aprovar a reforma do Código Civil [que unifica a legislação, eliminando especificidades para outras religiões, como a permissão para que muçulmanos possam ter mais de uma esposa].
O senhor vê uma fadiga do eleitorado em relação a Modi?
Eu não usaria a palavra fadiga, mas acho que ele tenha atingido seu limite de popularidade e agora começou a declinar. A campanha inteira foi totalmente centrada em Modi, diferentemente de outras eleições, e o fato de o BJP [sozinho] não ter obtido a maioria, como das outras vezes, mostra esse declínio. A oposição, apesar de não ter ganhado a maioria, está em júbilo, então há muito otimismo.
As pesquisas de opinião foram também as grandes derrotadas nesta eleição. Por que erraram tanto?
A maioria das pesquisas não ficou muito longe da porcentagem dos votos que o BJP teria. Disseram que seriam 40% dos votos, e foram cerca de 37%. O problema é que a técnica tem limitações. Nós não fazemos projeção de assentos nas nossas pesquisas. Só usamos porcentagem. Como essas porcentagens se traduzem em vagas é algo complicado, e não acho que as pesquisas estejam preparadas para fazer isso de forma precisa.
É possível que a coalizão da oposição consiga conquistar partidos da aliança de Modi e fique com a maioria no Parlamento?
Muito difícil de prever, mas não seria uma surpresa. Isso acontece muito na Índia, partidos mudarem de coalizões, irem para o outro lado, e algumas das legendas da coalizão de Modi são mestres em fazer isso.
Raio-x | Sanjay Kumar
Sanjay Kumar é codiretor do programa Lokniti do Centro de Estudos das Sociedades em Desenvolvimento (CSDS, na sigla em inglês), em Déli. Cientista político e especialista em pesquisas de opinião pública, tem mestrado em ciência política na Universidade de Déli e autor de diversos livros