Para marcar os 50 anos da “Revolução dos Cravos”, a ONU News realizou um debate de alto nível com o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e os representantes permanentes nas Nações Unidas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste.
A discussão trouxe reflexões sobre a importância daquele momento histórico, quando antigas colônias portuguesas se mobilizavam pela liberdade e o país europeu transitava do autoritarismo para a democracia.
Estar do lado certo da história
Tendo vivenciado os eventos da conhecida como a “Revolução dos Cravos” em Portugal, Guterres declarou que “estar do lado da liberdade contra a opressão” é estar do lado certo da história.
“É claro que estamos do lado certo da história libertando um país da ditadura e estamos do lado certo da história reestabelecendo justiça nas relações internacionais, depois de um passado colonial que é inaceitável”.
Para o líder da ONU, “a verdade é que não teria havido o 25 de Abril sem o que foi a luta dos movimentos de libertação africanos”. Segundo ele, “as duas coisas estão interligadas e é por isso que não há uma relação de causa e efeito”.
Nesse sentido, o chefe das Nações Unidas afirmou que se alguma coisa pode ser criticada no 25 de abril, é que, “do ponto de vista histórico, deveria ter ocorrido décadas mais cedo”.
Interlocutores legítimos
Em resposta à primeira pergunta do debate, o representante de Angola, Francisco José da Cruz, afirmou que a “Revolução dos Cravos” teve uma grande importância para os angolanos por ter criado a dinâmica que levou à independência do país.
“Ficou mais claro o desejo de Portugal de avançar neste processo quando o secretário-geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, visitou Portugal em agosto e Portugal deixou claro que este seria o caminho a seguir e que os movimentos de libertação seriam os interlocutores legítimos neste processo que levaria à independência”.
Respondendo a mesma pergunta, o embaixador brasileiro, Sérgio Danese, disse que o 25 de abril teve dois impactos principais no Brasil, que à época vivia um regime militar. O primeiro foi o de mostrar que “havia uma esperança” para um caminho de redemocratização. O segundo foi na diplomacia.
“Nós tínhamos uma contradição muito forte na nossa política externa. Nós reconhecíamos a independência de todas as ex-colônias francesas, britânicas, holandesas, mas nos mantínhamos presos ao colonialismo português e o 25 de Abril e as suas imediatas consequências nos libertaram prontamente desse jugo. E nós fomos o primeiro país a reconhecer Angola. E depois fomos dos primeiros a reconhecer cada uma das ex-colônias portuguesa.
Cooperação bilateral
Respondendo sobre o que ajudou a moldar novas relações entre as nações do bloco lusófono, a embaixadora de Cabo Verde, Tânia Romualdo, destacou a relação entre os povos como a base para o vínculo entre os Estados que surgiram naquele momento.
“Essa revolução permitiu não começar, mas continuar essa profunda amizade que unia os povos. Portugal às ex-colônias, o Brasil, enfim. Havia ali uma união, uma amizade muito forte que antecedeu a própria revolução, que contribuiu para a revolução e que ajudou para que o processo da descolonização, após o 25 de Abril, acelerasse a cooperação bilateral”.
No debate sobre a Revolução dos Cravos, veio à tona a questão da convergência dos países de língua portuguesa, não obstante a diversidade durante a construção democrática e de novas nações.
Bloco lusófono
O embaixador Pedro Comissário, de Moçambique, destacou como o bloco lusófono se distingue por vínculos de proximidade e solidariedade junto das Nações Unidas. O país é o único do bloco lusófono atualmente representado como membro não permanente do Conselho de Segurança.
“A Cplp é um modelo totalmente diferente do modelo da Commonwealth ou da Francofonia. É um modelo de Estados soberanos, mas ligados por um vínculo de profunda fraternidade. O 25 de abril deu-nos essa base, esse impulso para que hoje tenhamos este afeto que une os nossos países.”
Nessa questão, a embaixadora de Portugal, Ana Paula Zacarias, mencionou esforços em curso na frente diplomática para se fazer ouvir a voz comum, em português, nas Nações Unidas. Ela enfatizou que algumas posições comuns já se escutam na Assembleia Geral e no Conselho de Segurança.
“E fazê-la ouvir significa trabalhar em conjunto. Trabalhar em conjunto nas áreas que já foram identificadas. Sobretudo, temos muito a fazer na coordenação política, na coordenação das questões de segurança e defesa, que são neste momento um aspecto fundamental. E tudo o que tem a ver com a luta contra as alterações climáticas.”
Cenário político e de desenvolvimento
O representante de Timor-Leste, Dionisio Babo Soares, falou de um reforço em nível interno e externo para impulsionar a futura atuação em bloco em um mundo marcado por complexidades no cenário político e de desenvolvimento.
“Para Timor-Leste, a Cplp é um ponto de entrada ao mundo. Os países-membros são os que estão localizados em diferentes partes do mundo. O esforço para a reintrodução da Língua Portuguesa em Timor-Leste está sendo mais intensivo. Trabalhamos juntamente com Portugal nesse sentido e estamos empenhados a avançar com esse programa que é ter o português como língua oficial das Nações Unidas, mas para além disso há também trabalhamos em várias áreas.”
Olhando para o futuro, Guterres classifica as relações de cooperação que hoje existe entre os países lusófonos como um “símbolo de paz” que deve inspirar o mundo.
“Uma mensagem de grande esperança de que a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que está em todos os continentes e onde há hoje um profundo sentido de fraternidade que infelizmente falta no mundo, onde vemos divisões profundas, guerras e conflitos por toda a parte. Que esta comunidade, que é um símbolo de paz, possa ter um papel decisivo em restabelecer a confiança que está perdida, infelizmente, no nosso mundo e em restabelecer as condições que nos possam permitir não apenas mais paz, mas ao mesmo tempo um desenvolvimento mais justo”.
A íntegra do debate inclui intervenções completas do secretário-geral da ONU, António Guterres, e dos embaixadores de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste.