Quando o avião de carga pousou na pista do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, dava para ouvir latidos cacofônicos vindos do porão.
Maad Abu-Ghazalah estava parado na pista abaixo, esperando ansiosamente. Havia exatamente 69 cães a bordo, todos do seu abrigo na Cisjordânia. A porta se abriu, e um par de olhos o encontrou atrás de uma grade: era Lucas.
Em seguida vieram Jimmy, Carlos, Farouk, Zoe, todos cuidados por Abu-Ghazalah na Daily Hugz, organização de resgate que ele montou em Asira ash-Shamaliya, nos arredores de sua cidade natal, Nablus. Eram principalmente cães abandonados, e vários tinham perdido patas após serem atropelados por carros.
O abrigo era “como um paraíso”, disse Abu-Ghazalah. Mas em dezembro, à medida que as condições na Cisjordânia pioravam durante a guerra entre Israel e o Hamas, ele decidiu que não poderia mais mantê-lo funcionando. Então ele ligou para a Sociedade para a Prevenção da Crueldade contra Animais Internacional (SPCA). E a SPCA ligou para a Arca.
A Arca no JFK é algo que nem mesmo Noé poderia ter imaginado: uma operação privada, que funciona 24 horas por dia, no maior aeroporto de Nova York, construída para acomodar uma variedade de hóspedes com diferentes necessidades, desde cavalos de corrida de raça pura até animais exóticos de zoológico.
A instalação, que abrange cerca de 16 mil metros quadrados, prepara animais para voar ao redor do mundo, garantindo que estejam calmos, que estejam viajando em temperaturas confortáveis e que tenham comida e água suficientes. Também recebe animais quando chegam a Nova York, colocando-os em quarentena se necessário e preparando-os para os próximos passos de sua jornada.
Lori Kalef, diretora de programas da SPCA International, disse que nos sete anos em que a Arca opera no JFK, 90% dos 1.300 cães e gatos que ela resgatou do exterior passaram pela instalação.
Na manhã de sexta-feira, um grupo de trabalhadores e voluntários de sua organização se reuniu ao redor de uma mesa de conferência nos escritórios da Arca para discutir sobre as caixas e proteções usadas. Eles enfrentaram muitos desafios logísticos enquanto trabalhavam para tirar os cães da Cisjordânia, e o voo foi adiado várias vezes.
Mas então, a ligação chegou informando que os cães estavam prestes a chegar, e o grupo caminhou ansiosamente em direção ao “oásis animal” da Arca, um canil de serviço completo para gatos, cães e, ocasionalmente, cabras. Kalef colocou a música “The Final Countdown” para tocar alto em seu telefone.
Assim que os cães pousaram, eles foram levados diretamente para o espaço, onde todos os 69 descansariam durante a noite antes de seguir para seus novos lares.
Abu-Ghazalah, que mora em Wilmington, na Carolina do Norte, disse que não descansaria até que todos os cães estivessem em novos lares pelo país, mas estava grato que sua primeira parada fosse a Arca.
John J. Cuticelli Jr. e Elizabeth A. Schuette, fundador e CEO da Arca, respectivamente, consultaram de perto o renomado programa veterinário da Universidade Cornell e Temple Grandin, a famosa cientista animal, para projetar e construir a operação.
Há dezenas de canis, três estábulos e uma clínica veterinária. Há salas que poderiam ser reservadas para quarentenas avícolas e áreas que parecem chuveiros vazios, projetadas para serem preenchidas com água e congeladas no caso de um pinguim precisar ficar. Em resumo, o espaço foi construído para lidar com qualquer coisa.
Existem dois componentes principais no negócio da Arca: importação e exportação de equinos —cerca de 5.000 cavalos são enviados todos os anos— e cuidados com animais de pequeno porte. Todos os cavalos que pousam no JFK precisam passar pela instalação, mas como muitos animais de estimação viajam com seus donos, as operações de resgate compõem uma parte significativa da atividade de animais de pequeno porte.
A Arca trabalha com o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA, o Departamento de Agricultura e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças para transportar os animais com segurança. As agências têm protocolos e expectativas de segurança diferentes, então às vezes é preciso tomar decisões difíceis.
Por exemplo, a Arca uma vez recebeu um grupo de répteis venenosos, armazenados em caixas, que havia chegado de outro país. O agente de transporte esperava que eles fossem carregados em um avião de passageiros —uma ideia com a qual Schuette não concordava.
A regulamentação que determinava o caso era restrita, ela disse, e focava a saúde dos animais, não as pessoas com quem poderiam entrar em contato. Ninguém estava recuando e olhando a situação de forma completa, o que poderia acabar mal se, bem, as cobras saíssem das suas caixas no avião.
Assim que a companhia aérea descobriu, cancelou o envio. A Arca, então, tinha um monte de répteis venenosos —metade indo para o Texas, a outra metade para a Flórida— sem ter para onde ir; a Arca finalmente ajudou os responsáveis a encontrar um transporte terrestre alternativo.
Os especialistas da Arca também são chamados para lidar com crises que surgem no aeroporto.
Há alguns anos, uma ligação desesperada chegou de um voo de passageiros que estava sendo descarregado. Uma grande caixa de abelhas havia se aberto e elas estavam escapando, mas todas as instruções de envio estavam em espanhol e ninguém sabia o que fazer. Os funcionários da Arca chegaram ao local e usaram redes para garantir que as abelhas não escapassem.
Os episódios destacam a variedade de problemas que os funcionários da instalação podem ter que resolver em um determinado dia.
“Acho que dá um certo conforto aos nossos clientes e também a outros profissionais e agências que nos enviam animais”, disse Schuette. “Vamos fazer da maneira correta.”
A Arca começou de forma inesperada para Cuticelli, depois de uma carreira construindo um negócio imobiliário familiar, criando um fundo de private equity e especializando-se na compra de empresas falidas.
Ele começou a negociar com a Autoridade Portuária, que opera o JFK, para assumir seu terminal de animais em 2011. Levaria três anos, quase US$ 2 milhões em honorários legais e o trabalho de 11 escritórios de advocacia para assinar o contrato, e mais três anos e um investimento de US$ 65 milhões (cerca de R$ 324 milhões) para a Arca abrir.
Cuticelli e Schuette, sua esposa e parceira de negócios, não tinham experiência em transporte de animais e inicialmente não planejavam operar a instalação eles mesmos. Mas após anos de planejamento e pesquisa, eles mudaram de ideia.
“Estávamos determinados”, disse Schuette.
“Foi insano”, completou Cuticelli.