O que era para ser um evento protocolar, de celebração do 80º aniversário do Dia D, quando as tropas aliadas atacaram as forças da Alemanha na maior operação militar conjunta da história das guerras, pode vir a ser o símbolo do fim de 14 anos de governo conservador no Reino Unido.
A desastrada decisão do primeiro-ministro, Rishi Sunak, de deixar mais cedo o evento na Normandia —pedindo ao secretário de Relações Exteriores (e ex-premiê), David Cameron, que o substituísse— foi vista como mais um erro da campanha eleitoral de um governo que falhou em entregar quase tudo o que prometeu e que está prestes a ser amplamente derrotado pela oposição trabalhista no pleito de 4 de julho, como indicam as pesquisas.
“Joe Biden, Olaf Scholz, todos estavam lá. Sunak é uma pessoa muito elitista por origem, educação e formação profissional. Portanto, é claro que quer viver um estilo de vida como o de Nova York. O que aconteceu foi visto como muito desrespeitoso”, afirma Patrick Dunleavy, professor emérito de Ciência Política da London School of Economics (LSE).
Nascido em Southampton e de ascendência indiana, Sunak, 44, tornou-se premiê em outubro de 2022, com promessas ousadas de conter a imigração ilegal, controlar a economia e melhorar o sistema de saúde público (NHS). Conseguiu estabilizar a inflação, mas a atividade estagnou, a fila à espera de tratamento médico na Inglaterra foi a 7,6 milhões de pessoas, e a chegada de pequenos barcos com imigrantes pelo Canal da Mancha continua crescente —além do fracasso de seu controverso plano de enviar o contingente em situação irregular para Ruanda, ex-colônia britânica na África Oriental.
“A Lei de Ruanda foi um fiasco total. Comprometer-se com ela foi, basicamente, um fetiche de Sunak”, afirma Dunleavy. Na opinião dele, ainda que representativo, o revés foi apenas a ponta do iceberg na crise dos conservadores em tentar fazer funcionar um de seus legados, o brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, aprovada em 2016.
Outra proposta que o premiê queria tornar uma bandeira de sua gestão, mas que ficou pelo caminho, foi a aprovação de uma legislação para banir o fumo durante toda a vida para as novas gerações, com a proibição de que qualquer pessoa nascida a partir de 2009 pudesse comprar cigarros, mesmo após se tornar maior de idade. O texto passou na Câmara, mas curiosamente com a oposição de Boris Johnson e Liz Truss, antecessores de Sunak, e apoio dos trabalhistas, que prometeram implementá-la caso se confirme sua provável vitória nas urnas.
Sunak agora propõe a volta do serviço militar obrigatório a jovens, passando um ano no Exército ou fazendo trabalho voluntário nos fins de semana. Poucas horas depois de anunciar o plano, contudo, chefes da Força e um ex-secretário conservador de Defesa rejeitaram a ideia.
Diante de tantos insucessos, não há nenhum analista a acreditar que Sunak possa reverter as perspectivas de uma derrota, com a consequente volta dos trabalhistas ao poder, sob a liderança de Keir Starmer. Pelas projeções, os conservadores podem conquistar apenas 72 das 650 cadeiras do Parlamento —eles tinham 344 antes da dissolução da Casa, necessária para a convocação da eleição.
O premiê também não conseguiu se desvencilhar do desgaste herdado das últimas gestões conservadoras. Antecessora imediata, Liz Truss durou apenas 44 dias no cargo, após a péssima recepção a seus planos econômicos. Antes dela, Boris Johnson se viu obrigado a deixar o cargo após uma série de polêmicas, do negacionismo da pandemia a um escândalo sexual de um membro do governo que ele tentou esconder.
Johnson ao menos conseguiu cumprir a promessa de viabilizar o brexit, algo de que a predecessora Theresa May não foi capaz, levando-a à renúncia. A decisão dos britânicos de sair da União Europeia, aliás, foi o que motivou a saída, em 2016, do mais longevo premiê conservador deste período, David Cameron, que era favorável à manutenção de Londres no bloco.
Com um possível desastre eleitoral à vista, a continuidade de Sunak na liderança do partido já é contestada. Duas mulheres aparecem fortes na lista para substituí-lo: Penny Mordaunt, líder da Câmara, e Kemi Badenoch, secretária de Negócios e Comércio do governo.
Mordaunt, 51, é considerada uma conservadora moderada e tem vínculo com as Forças Armadas, por ter sido secretária de Defesa em 2019. Ao participar de um debate na TV, afirmou que a decisão de Sunak de sair prematuramente das celebrações do Dia D foi “completamente errada”.
Já Badenoch, 44, desponta como um dos nomes para uma guinada mais radical à direita. Defensora do Estado mínimo, é conhecida por ser uma forte opositora de políticas de inclusão de pessoas trans.
Em 2023, ela fez um discurso na Câmara dos Comuns no qual anunciou propostas para privar os migrantes transexuais de certos países de obter documentos no Reino Unido que correspondam aos trazidos dos seus países de origem. Ela já se opôs à ideia de que funcionários trans se identificassem pelo nome social no local de trabalho.
“Badenoch é carismática e hábil para falar de pontos críticos aos conservadores sem parecer agressiva. Então esta seria uma má notícia para um governo Starmer, porque ela estaria perfeitamente posicionada para construir uma mobilização contra o governo”, diz Liam Stanley, professor de Política na Universidade de Sheffield.