Quando o terremoto ocorrido em Taiwan atingiu a costa leste do país, os prédios da cidade mais próxima, Hualien, balançaram e sacudiram. Como mais de 300 tremores secundários sacudiram a ilha nas 24 horas seguintes até a manhã desta quinta-feira (4), os edifícios tremeram várias vezes. Mas a maior parte deles permaneceu de pé.
Até mesmo os dois prédios que sofreram os maiores danos permaneceram praticamente intactos, permitindo que os moradores subissem em segurança pelas janelas dos andares superiores.
Um deles, o Edifício Uranus, arredondado e de tijolos vermelhos, que se inclinou depois que seus primeiros andares desabaram, é um lembrete do quanto Taiwan se preparou para desastres como o terremoto de magnitude 7,5 que sacudiu a ilha na quarta-feira (3).
Talvez devido a melhorias nos códigos de construção, maior conscientização do público e operações de busca e resgate altamente treinadas –e, provavelmente, uma dose de boa sorte– os números de vítimas foram relativamente baixos. Até esta quinta, dez pessoas morreram e mais de mil estavam feridas.
Em Hualien, a área ao redor do Edifício Uranus foi isolada, enquanto os trabalhadores da construção civil tentavam evitar que a estrutura inclinada tombasse completamente. Primeiro, eles colocaram blocos de concreto de três apoios que se assemelhavam a peças gigantes de Lego em frente ao edifício e, em seguida, empilharam terra e pedras sobre esses blocos com escavadeiras.
“Viemos ver com nossos próprios olhos a gravidade do problema e por que ele se inclinou”, disse Chang Mei-chu, 66 , uma aposentada que foi com seu marido, Lai Yung-chi, 72, até o prédio nesta quinta.
“Eu não estava preocupado com o nosso prédio, porque sei que eles prestaram atenção à resistência a terremotos quando o construíram. Eu os vi despejando o cimento para ter certeza”, disse Lai. “Houve melhorias. Depois de cada terremoto, eles elevam os padrões um pouco mais.”
Era possível caminhar por quarteirões da cidade sem ver sinais claros do forte terremoto. Muitos edifícios permaneciam intactos, alguns deles antigos e desgastados pelo tempo, outros modernos, com estruturas de concreto e vidro de vários andares. As lojas estavam abertas, vendendo café, sorvete e nozes de bétel. Ao lado do Edifício Uranus, um mercado noturno popular com barracas de comida que ofereciam frutos do mar fritos, bolinhos e doces estava funcionando na noite de quinta-feira.
Os terremotos são inevitáveis em Taiwan, que se situa em várias falhas ativas. Décadas de trabalho, aprendendo com outros desastres, implementando códigos de construção rígidos e aumentando a conscientização do público, ajudaram a população a resistir aos fortes e frequentes terremotos.
Não muito longe do Edifício Uranus, por exemplo, as autoridades inspecionaram um edifício com pilares rachados e concluíram que era perigoso permanecer nele. Os moradores tiveram 15 minutos para correr para dentro e pegar o máximo de pertences que pudessem. Alguns saíram correndo com computadores, enquanto outros jogaram sacos de roupas pelas janelas para a rua, que também ainda estava cheia de vidros quebrados e fragmentos de cimento do terremoto.
Um de seus moradores, Chen Ching-ming, pregador de uma igreja vizinha, disse que pensou que o prédio seria demolido. Ele conseguiu salvar uma TV e algumas roupas de cama, que agora estavam na calçada, e estava se preparando para voltar para buscar mais. “Perderei muitas coisas valiosas: uma geladeira, um micro-ondas, uma máquina de lavar”, disse ele. “Tudo se foi.”
Os requisitos de resistência a terremotos tem sido incorporados aos códigos de construção de Taiwan desde 1974. Nas décadas seguintes, as determinações também se basearam em lições aprendidas com outros grandes terremotos, como os do México e de Los Angeles, para fortalecer o código de Taiwan.
Depois que mais de 2.400 pessoas morreram e pelo menos 10 mil ficaram feridas durante o terremoto de Chi-Chi em 1999, milhares de edifícios construídos antes do terremoto foram revisados e reforçados. Depois de outro forte terremoto em 2018 em Hualien, o governo ordenou uma nova rodada de inspeções de construção. Desde então, várias atualizações do código de construção foram lançadas.
“Reformamos mais de 10 mil prédios escolares nos últimos 20 anos”, disse Chung-Che Chou, diretor geral do Centro Nacional de Pesquisa em Engenharia de Terremotos em Taipé.
O governo também ajudou a reforçar prédios de apartamentos particulares nos últimos seis anos, adicionando novos suportes de aço e aumentando o tamanho das colunas e vigas, disse Chou. Não muito longe dos prédios que desabaram parcialmente em Hualien, alguns dos prédios mais antigos que haviam sido reformados dessa forma sobreviveram ao terremoto de quarta-feira, segundo o diretor.
O resultado de tudo isso é que até mesmo os arranha-céus mais altos de Taiwan podem resistir a abalos sísmicos regulares. O edifício mais icônico da capital, o Taipei 101, que já foi o edifício mais alto do mundo, foi projetado para resistir a ventos de tufões e terremotos frequentes. Ainda assim, alguns especialistas dizem que é preciso fazer mais para fortalecer ou demolir as estruturas que não atendem aos padrões, e esses apelos ficaram mais frequentes após o último terremoto.
Taiwan tem outro motivo importante para proteger sua infraestrutura: é onde se concentra a maior parte da produção da Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC), a maior fabricante de chips de computador avançados do mundo. A cadeia de fornecimento de produtos eletrônicos, de smartphones a carros e jatos de combate, depende da produção das fábricas da TSMC, que fabricam esses chips em instalações que custam bilhões de dólares para serem construídas.
O terremoto de 1999 também levou a TSMC a tomar medidas adicionais para isolar suas fábricas dos danos causados pelo terremoto. A empresa fez grandes ajustes estruturais e adotou novas tecnologias, como sistemas de alerta antecipado. Quando outro grande terremoto atingiu a cidade de Kaohsiung, no sul do país, em fevereiro de 2016, as duas fábricas próximas da TSMC resistiram sem danos estruturais.
Taiwan fez progressos em sua resposta a desastres, dizem os especialistas. Nas primeiras 24 horas após o terremoto desta semana, as equipes de resgate libertaram centenas de pessoas que estavam presas em carros entre quedas de rochas na rodovia e presas nas bordas das montanhas em pedreiras.
“Após anos de trabalho árduo na capacitação, o desempenho geral da ilha melhorou significativamente”, disse Bruce Wong, consultor de gerenciamento de emergências em Hong Kong. As equipes de resgate de Taiwan se especializaram em esforços complexos, disse ele, e também conseguiram aproveitar as habilidades de voluntários treinados.
A resiliência de Taiwan também decorre de uma sociedade civil forte que está envolvida na preparação pública para desastres. “Eles sabem que devem se abrigar em um canto do quarto ou em outro lugar mais seguro”, afirma Wong. Muitos moradores também mantêm uma sacola com itens essenciais ao lado de suas camas e possuem extintores de incêndio, acrescentou.
Ao redor dele, cerca de uma dúzia de outras instituições de caridade e grupos estavam oferecendo aos residentes alimentos, dinheiro, aconselhamento e cuidados com as crianças. A Fundação Tzu Chi, uma grande instituição de caridade budista de Taiwan, forneceu tendas para as famílias usarem dentro do salão da escola para que pudessem ter mais privacidade.
Huang Yu-chi, gerente de assistência a desastres da fundação, disse que as organizações sem fins lucrativos aprenderam com desastres anteriores. “Agora somos mais sistemáticos e temos uma ideia melhor da prevenção de desastres”, disse.