Há 38 anos, Xi Jinping fez sua primeira viagem aos Estados Unidos. Então um jovem e inexperiente oficial do Partido Comunista Chinês, ainda que vindo de linhagem “nobre” com um pai que fez parte do primeiro quadro de líderes da legenda, Xi ficou em um quartinho de adolescente, hospedado na casa do casal Eleanor e Thomas Dvorchak em Muscatine, no interior do rural estado de Iowa.
A viagem lhe causou profundo impacto profissional e pessoal. Voltou à China determinado a implementar algumas das inovações na agricultura que por lá acompanhou e nunca esqueceu o casal Dvorchak. Conforme crescia no PC Chinês, continuou mantendo contato com os anfitriões por meio de cartas, recebeu-os com honrarias de chefes de Estado quando visitaram Pequim e em 2012, já como vice-líder e herdeiro aparente de Hu Jintao, fez questão de visitar o quartinho onde dormiu em 1985.
É nesta experiência que, ao se encontrar com Joe Biden às margens da cúpula da Apec na quarta e mais tarde durante durante um discurso à comunidade empresarial, Xi tentou moldar sua agenda enquanto visitava os EUA.
O encontro bilateral propriamente dito rendeu pouca coisa além da restauração dos canais de comunicação entre militares e uma força-tarefa para combater o tráfico de fentanil, um opioide 50 vezes mais potente que a heroína, majoritariamente fabricado por laboratórios clandestinos na China e na Índia e que nos últimos anos se tornou a fonte de uma mortífera crise de saúde nos EUA. Também os bilionários que pagaram até quase R$ 200 mil por um ingresso para o jantar promovido em homenagem a ele saíram do evento sem ouvir dele grandes sinalizações positivas à agenda de reformas econômicas.
Nada disso. Xi preferiu focar o intercâmbio entre pessoas. O conceito parte do pressuposto de que a melhor forma de aliviar tensões é fazer com que povos de dois países interajam entre si, aumentando o turismo e os programas educacionais para que cada um veja o que o outro lado tem a oferecer. Sem filtros midiáticos, sem narrativas políticas.
E ele tem um plano. Para os próximos cinco anos, prometeu convidar 50 mil jovens americanos a visitarem a China em intercâmbios curtos ou de longa duração. Também fechou acordo para aumentar o número de voos diários entre EUA e China e disse que vai aprimorar o processo de concessão de vistos para americanos que desejam visitar seu país —que vem tendo dificuldades para recuperar os índices de turismo pré-pandemia.
São ideias boas e bem-intencionadas, cujo sucesso será difícil de mensurar. Na vida real, ver a realidade por conta própria nem sempre é o suficiente para blindar uma pessoa de conceitos preestabelecidos e fidelidades ideológicas.
Em 2021, Naima Green-Riley, professora da Universidade de Princeton, conduziu uma pesquisa com mil adolescentes de 12 a 18 anos e 500 adultos, todos americanos e matriculados no Instituto Confúcio. A maioria terminou o curso com visões mais negativas da China.
O órgão, criado por Pequim para promover a língua e a cultura chinesas, é há anos acusado de suavizar os problemas da China e barrar discussões livres sobre política, direitos humanos e causas sociais no país asiático. Como mostra Green-Riley, o buraco é mais embaixo.
Enquanto era aplaudido de pé por empresários —e alguns políticos— americanos, Xi recitou de cor o endereço do rancho que o recebeu há quase quatro décadas. No longo e cuidadoso discurso que fez, defendeu a amizade, o respeito mútuo e deixou de lado os pontos mais difíceis da relação sino-americana.
Só saiu do script quando, ao se encontrar com o governador da Califórnia, Gavin Newsom, recebeu de presente uma camisa da equipe de basquete Golden State Warriors. Foi quando abriu um genuíno sorriso de orelha a orelha e ficou por vários minutos admirando o mimo —basquete é seu esporte favorito. Se é verdade que a cultura e as interações interpessoais aproximam povos, o momento serviu para mostrar que talvez as coisas —ainda— não estejam tão perdidas entre Estados Unidos e China.
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