Embaixadores estrangeiros têm usado as redes sociais para mostrar vínculos com a cultura popular do país e para estreitar os laços com o Brasil.
O caso recente de maior evidência foi o do ex-embaixador sul-coreano Lim Ki-mo, que deixou o Brasil em agosto —não sem antes receber o título de cidadão honorário do Rio de Janeiro após viralizar cantando clássicos do samba e da MPB em karaokês.
“Alguns vídeos em que eu canto, como Evidências e Cheia de Manias já tinham viralizado na internet. Mas a noite em que cantei no Renascença Clube [no Rio] foi a experiência mais memorável”, disse o embaixador à Folha, em julho.
A prática exemplifica a transformação do trabalho diplomático no século 21. O contato mais próximo e informal com a sociedade civil funciona tanto como elemento de projeção da imagem do país representado, como um método de obtenção de contatos relevantes e informações de outro modo difíceis de conseguir, segundo Paulo Velasco, professor de política internacional da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“A política internacional não é mais feita somente entre atores governamentais, e os diplomatas têm de ir além do lugar-comum da atividade diplomática justamente para buscar diálogo com outro público e conseguir uma penetração não só com interlocutores do Estado”, afirma Velasco.
Outro caso é o de Stephanie Al-Qaq, embaixadora do Reino Unido em Brasília desde novembro de 2022. Ela já havia morado no Brasil de 2007 a 2012.
Em seu perfil nas redes sociais, há publicações de reuniões com autoridades —como a ministra Anielle Franco (Igualdade Racial), o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ)— e encontros com lideranças e personalidades brasileiras, como o cacique Raoni e a apresentadora Rita Lobo.
Mas há também uma série de referências à alimentação brasileira, a viagens e ao futebol.
Na aba de destaques, a embaixadora reúne imagens feitas em viagens para São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e para a Amazônia. O primeiro deles, no entanto, é para uma série de publicações sob o título “Galo” —o Atlético-MG, clube para o qual torce no Brasil.
“Este sentimento pessoal em relação ao Brasil e aos brasileiros me ajuda muito no trabalho de todos os dias. Falar português, gostar de futebol, conhecer vários lugares do país, ter um grande interesse pela cultura brasileira: tudo isso quebra o gelo, abre portas e conta a nosso favor diante de um dos maiores desafios da diplomacia, que é dialogar e negociar constantemente”, diz a embaixadora.
Al-Qaq tem ainda publicações em que apresenta comidas típicas brasileiras a colegas embaixadores, como tacacá e açaí, e experimenta cachaça. Em outra, ela visita e almoça em um restaurante comunitário no Distrito Federal.
“O Reino Unido está apoiando os objetivos do Brasil no G20 e fornecendo suporte técnico para a Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza. Juntos, estamos dando passos concretos para enfrentar a fome, promovendo segurança alimentar para todos”, lê-se a legenda da publicação.
Quem também mistura em suas redes sociais registros de agendas oficiais com visitas a locais icônicos do Brasil é o embaixador de Portugal, Luís Faro Ramos. No início de outubro, ele publicou fotos nas Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu (PR), cidade que recebia na data uma reunião ministerial do G20. “Quase dois anos depois, voltei às Cataratas do Iguaçu. Um deslumbramento renovado”, escreveu.
“Tenho viajado muito pelo Brasil com agendas de trabalho, e sempre que surge a oportunidade aproveito para conhecer melhor os locais que visito, juntando mais um ou dois dias de turista à agenda oficial. E sempre coloco nas minhas redes sociais, às vezes também nas da embaixada, porque considero que parte do nosso trabalho enquanto embaixadores é contribuir para a imagem do país que nos recebe junto do país que nos envia”, disse o embaixador à Folha.
Velasco, da Uerj, afirma que os diplomatas precisam do que chamou de “mecanismo de sedução”. “Eles se tornam personagens que são melhor acolhidos, e, assim, podem conseguir informações sensíveis em encontros mais informais. As redes sociais são muito úteis para esse engajamento”, diz.
A prática amplia o escopo de trabalho dos embaixadores, que em um mundo analógico era muito mais reservado ao oferecimento de festas e cerimônias em geral fechadas a convidados.
Promover e participar de eventos continua sendo parte fundamental do trabalho de estreitamento de laços do Estado estrangeiro com o Brasil e outras representações diplomáticas.
Entre o fim de setembro e o começo de outubro, por exemplo, embaixadores dos respectivos países promoveram a comemoração de 75 anos da fundação da República Popular da China, um coquetel para o dia nacional da República Tcheca, e uma semana da língua neerlandesa, com algumas atividades oferecidas pelas embaixadas de Holanda, Bélgica e Suriname.
São convidados outros embaixadores, diplomatas, ministros brasileiros e outros integrantes do governo federal, parlamentares, empresários e jornalistas.
Os eventos vão de grandes festas para centenas de pessoas a cerimônias mais modestas, a depender da ocasião, do país que a oferece e da proximidade da relação com o Brasil. Às vezes com patrocínio de empresas dos países que oferecem o evento, há comida típica e bebidas, falas protocolares de autoridades e apresentações culturais.