Foi necessária quase uma década para o título desta coluna passar de exagero a cenário plausível. Depois que Donald Trump desceu a escada rolante para anunciar a candidatura, em junho de 2015, numa plataforma xenófoba e racista, a mídia americana, obcecada em projetar uma objetividade impossível diante do renegado com uma carreira de desrespeito a leis, foi procurar proteção de especialistas. Várias publicações entrevistaram historiadores, e a maioria dos consultados concluiu que o bilionário patife nova-iorquino não preenchia os requisitos para ser chamado de fascista.
Em quatro anos no poder, Trump ensaiou os primeiros passos, como um estagiário do fascismo, e esbarrou na então ainda sólida máquina pública —tribunais, funcionários públicos e membros do gabinete que não cumpriram suas ordens, como mandar o Exército para a rua atirar nos manifestantes dos protestos antirracistas de 2020.
Mas 2024 não é 2016 ou 2020. Agora, Trump, em franca deterioração mental e amparado por uma tropa bem financiada de camisas marrons com uma lista interminável de planos, gaba-se, diariamente, de descrever imigrantes não brancos como vermes, de ameaçar prender qualquer adversário político, de perseguir jornalistas e deixa claro que não pensa em acatar o resultado da eleição do próximo dia 5.
Ao contrário do nosso preguiçoso fascista chinelão do 8 de Janeiro, o do 6 de Janeiro que instigou a invasão do Capitólio conta com a colcha de retalhos que regula as eleições presidenciais americanas. Ele terá à disposição legislativos estaduais trumpistas para impugnar resultados e bloquear o envio de delegados ao Colégio Eleitoral que certifica vencedores na Presidência; uma numerosa e assustadora safra de juízes que nomeou, de listas feitas por lobbies de ultradireita; uma Câmara controlada por aliados; e, quem sabe, até 40% de eleitores que só admitem que o sol nasceu e se pôs se ele confirmar.
Essa marcha, improvável há apenas dez anos, rumo ao precipício de um desfecho catastrófico, é marcada, há meses, por um grau de estabilidade. São as pesquisas que não apresentam qualquer mudança expressiva, a não ser por uma breve diferença registrada com a chegada de Kamala Harris, após Joe Biden renunciar à candidatura.
Quanto mais Trump dança como um lunático em comícios, quanto mais figuras públicas historicamente alinhadas com o Partido Republicano declaram apoio a Kamala, menos parece mudar a intenção de voto registrada entre os eleitores.
A edição de novembro da revista The Atlantic, fundada em 1857, traz na capa uma pintura de George Washington, o fundador da república e seu primeiro presidente, como ilustração para um artigo de Tom Nichols. Sob o título “O Momento da Verdade”, o autor argumenta que a reeleição de Trump poria fim à imperfeita experiência democrática americana de dois séculos e meio. Entre muito do que legou ao país, lembra Nichols, Washington deu um singelo, mas poderoso exemplo ao ir embora para casa ao final do segundo mandato legal.
O novo livro “War” do repórter Bob Woodward, da dupla de investigadores do escândalo Watergate, revela um comentário de Mark Milley, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas no ano final da Presidência Trump. O general, hoje na reserva, descreveu Trump como “fascista da gema.” Dezenas de milhões, sem conhecimento do que o alerta representa para seus destinos, vão escolher o fascista.
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