Com a aproximação das eleições presidenciais nos Estados Unidos, Joe Biden tem telefonado regularmente para Barack Obama, seja para contar novidades sobre a corrida ou falar sobre a família.
Obama, por sua vez, também tem feito muitas ligações —mas não para Biden, e sim para os seus principais assessores de campanha, numa tentativa de bolar estratégias e aconselhá-los.
Mais do que o apoio do ex-presidente a seu antigo vice, esse envolvimento mostra, segundo um dos assessores de Biden, o temor de uma eventual vitória do republicano Donald Trump sobre ele.
Esta talvez seja a primeira vez em que os dois democratas estão na mesma página quando se trata do futuro de Biden. Para sinalizar essa parceria, eles farão uma aparição conjunta com o ex-presidente Bill Clinton em um evento de arrecadação de fundos no Radio City Music Hall, em Nova York, nesta quinta-feira (28).
Nem sempre foi assim. Em 2015, quando Biden lamentava a morte de Beau, seu filho mais velho, e refletia sobre concorrer à Presidência, foi Obama que sugeriu que aquela não era a sua hora.
Em sua autobiografia, “Promete-Me, Pai”, Biden conta que Obama disse a ele que, se “pudesse indicar alguém para ser presidente pelos próximos oito anos”, esta pessoa seria ele. “A mera possibilidade de uma campanha presidencial, que era o que Beau desejava, nos encheu de propósito e de esperança —uma forma de desafiar o destino”, escreve o atual presidente americano.
Depois de discutir os riscos com Obama, porém, ele se retirou da disputa e abriu caminho para Hillary Clinton, uma candidata bem mais forte aos olhos da Casa Branca na época.
A decisão gerou desconfiança e um ressentimento que dura até hoje entre alguns dos assessores de Biden. Vários deles trabalham na administração atual e acreditam que Obama e seus funcionários subestimaram Biden, que, na visão deles, poderia ter derrotado Trump em 2016.
Em 2019, quando Biden anunciou sua candidatura à Presidência, Obama esperou até depois das primárias do Partido Democrata para apoiá-lo, embora trabalhasse nos bastidores para abrir caminho para ele. Ele também deu sua bênção para que Biden usasse registros do cotidiano dos dois na Casa Branca em sua campanha, incluindo fotografias de quando Obama presenteou-o com uma Medalha Presidencial da Liberdade pouco antes do fim de seu mandato.
Obama e Biden formaram desde sempre uma dupla estranha. Um é um professor formado em Harvard e o outro nasceu em Scranton, cidadezinha da Pensilvânia. Um é racional e o outro é explosivo.
Com o tempo, os dois se entrosaram, e Obama usou as boas relações que Biden mantinha no Congresso para aprovar uma série de reformas. Mas eles não concordavam sempre. Biden foi contra a decisão de Obama de enviar mais tropas para o Afeganistão em 2009, por exemplo.
Esse conflito foi uma das principais questões exploradas na investigação sobre os documentos sigilosos encontrados na casa de Biden em Delaware.
Assessores de Biden dizem, porém, que a relação entre os dois se tornou de fato íntima depois da morte de Beau. Ao fazer um discurso em homenagem ao primogênito em seu funeral, em junho de 2015, Obama afirmou que ele e sua família se consideravam “membros honorários” da família Biden.
“E a regra dos Biden também se aplica a nós: estamos e sempre estaremos aqui para você. Minha palavra como um Biden”, disse. O momento foi descrito por pessoas próximas do atual presidente como um ponto de virada importante para ele, que ficou surpreso com as falas afetuosas públicas de Obama.
Mesmo assim, em depoimento a Robert Hur, procurador que investiga sua posse de documentos confidenciais, ele contou que Obama e seus assessores haviam escolhido Biden para a Vice-Presidência por sua experiência política, mas também porque, para eles, ele não tinha muitas perspectivas na política para além da vice-presidência.
Biden disse a Hur que, ao ponderar sobre se candidatar em 2015, muita gente o incentivou a concorrer, “exceto o presidente” Obama. “Não era exatamente algo ruim. Ele só achava que ela tinha mais chances de ganhar do que eu”, afirmou, referindo-se a Clinton.
Funcionários da Casa Branca e de Obama afirmam que qualquer desconfiança remanescente a nível da equipe se dissipou, dado que hoje todos consideram a vitória de Biden sobre Trump crucial.
Correligionários de Obama próximos a ele contaram à reportagem que a preocupação do ex-presidente com o desempenho de Biden diminuiu depois de sua performance no discurso do Estado da União.
Um email enviado por um grupo de ex-alunos de que Obama participa e obtido pelo The New York Times vai nesse sentido. “Esperamos que vocês estejam tão animado quanto nós depois do Estado da União! Biden está pronto”, dizia o texto enviado a apoiadores.