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A performance desastrosa de Joe Biden no debate da última quinta-feira (27) expôs as fraturas do Partido Democrata em torno da escolha de seu candidato contra Donald Trump.
E agora? Sim, é possível substituir Biden. Não, não é provável –a não ser que a decisão parta do próprio presidente, o que ele indicou em um comício na sexta (28) e em um evento com doadores no sábado (29) que não pretende fazer.
A ala mais jovem e à esquerda está em franca campanha contra o presidente e as lideranças democratas. “O establishment do partido tem mentido para nós sobre a elegibilidade de Biden e deveria ter vergonha de si mesmo”, disse o estrategista Waleed Shahid, que trabalhou com Alexandria Ocasio-Cortez, Jamaal Bowman e o independente Bernie Sanders. O grupo que mobilizou um boicote ao presidente nas primárias fez questão de deixar claro que tem 35 delegados disponíveis para quem quiser “salvar vidas e a democracia”.
Mas mesmo nomes mais ao centro, como o deputado Jamie Raskin, um dos integrantes da comissão que investigou a invasão do Capitólio e líder da acusação no segundo processo de impeachment contra Donald Trump, reconheceram que o debate está em curso. “Estão ocorrendo conversas muito honestas, sérias e rigorosas em todos os níveis do nosso partido. Estamos tendo uma conversa séria sobre o que fazer”, disse à MSNBC no domingo.
Na outra ponta, estão os caciques do partido –Barack Obama, Hillary Clinton, Hakeem Jeffries– que correram para sair em defesa de Biden. O argumento é: debates ruins acontecem, há tempo para se recuperar, não criemos pânico. São justamente eles, além da primeira-dama, Jill, os únicos que poderiam convencer o presidente a sair da corrida.
Mesmo que Biden desista, um problema será definir seu substituto –e a briga fratricida que pode ser destampada nesse processo. A vice Kamala Harris, à primeira vista uma escolha natural, é avaliada como uma candidata fraca. Outros cotados são os governadores Gavin Newsom (Califórnia), Gretchen Whitmer (Michigan), J.B. Pritzker (Illinois) e Josh Shapiro (Pensilvânia).
Nomes não faltam, o que falta é tempo. O novo candidato seria definido na convenção do partido, em agosto, o que lhe daria na prática pouco mais de dois meses de campanha.
Assessores do presidente afirmam que levantamentos internos apontam uma avaliação melhor do que a de Donald Trump no debate. O presidente disse no sábado que alguns até o mostraram “alguns pontos acima”. Por outro lado, segundo uma pesquisa da CBS divulgada no domingo (30), o percentual de eleitores que acreditam que o democrata não tem capacidade cognitiva e mental de exercer um novo mandato subiu de 65% para 72%.
A atenção agora está voltada para a divulgação de pesquisas de intenção de voto realizadas depois do debate. Um alento para os democratas tem sido a máxima –apoiada pela ciência política, é verdade– de que debates importam pouco para o grosso do eleitorado.
No episódio do Café da Manhã de hoje, falo mais sobre o day after do debate e minha passagem por Atlanta. O podcast está disponível aqui.
DEPOIS DO DEBATE..
A crise entre democratas ficou evidente logo após o debate. No Spin Room, área onde representantes das campanhas conversam com jornalistas na tentativa de convencer que seu candidato foi melhor, não havia no começo uma pessoa para falar em defesa de Biden, enquanto republicanos abundavam.
Um tempo depois, uma comitiva de seis pessoas, entre elas o governador da Califórnia, Gavin Newsom, surgiu com uma mensagem claramente ensaiada: o que importa é a substância, não a performance. Dezenas de repórteres se acotovelavam em torno do grupo, entre eles eu, gritando perguntas sobre o desempenho de Biden –que ficaram sem resposta.
CONHAQUE E CHARUTOS
Passei a noite da véspera do debate em um bar de charutos –mas a trabalho, claro!
O deputado republicano Wesley Hunt lançou no início do ano uma iniciativa para angariar apoio a Donald Trump e ao partido com foco no eleitorado negro. Desde então, vem realizando conversas com uma abordagem mais informal, regadas a álcool e sob fumaça. Foi a um desses eventos que fui em Fairburn, nas proximidades de Atlanta.
A maior parte das pessoas com quem conversei já definiram em quem vão votar: Donald Trump.
As justificativas misturam posições conservadoras –um homem, especialmente, fez diversos comentários homofóbicos enquanto me chamava de “honey”– com preocupações econômicas e em relação à imigração. A visão predominante era a de que as coisas iam melhorar durante o governo do republicano, e que Biden perdeu totalmente o controle do país.
No palco improvisado estavam, além de Hunt, o deputado Byron Donalds (Flórida), um dos nomes cotados para vice de Trump, e a ex-apresentadora da ESPN Sage Steele como moderadora. No início da conversa, os três fizeram duras críticas a quem os ataca por serem conservadores, especialmente dentro da comunidade negra. Defenderam que têm liberdade para pensar como quiserem, e que é um desrespeito a premissa de que suas posições são resultado de uma “lavagem cerebral” feita por brancos.
O clima ameno, porém, logo ficou tenso. Um homem na plateia interrompeu os deputados para questionar por que eles votaram a favor de um memorial confederado, o lado da guerra civil americana que defendia a manutenção da escravidão. Outro os pressionou sobre reparações, uma política para compensar a população negra pelo que foi infligido a ela. Outros dois reclamaram ainda de que os políticos faziam críticas aos democratas sem apresentar nenhuma solução concreta. Nisso, um outro homem –o que me chamou de “honey”– começou a gritar em defesa dos deputados.
Steele tentou retomar o controle do público, sem muito sucesso, enquanto vários repórteres filmavam as cenas, estupefatos. Em algum momento, um policial –branco– entrou no salão.
Na saída do evento, conversei com um ex-candidato democrata a prefeito de Atlanta, um homem também negro, que criticou os republicanos no palco. “Eles não têm o que oferecer, concretamente, para o eleitorado negro”, me disse. Mas, surpreendentemente, repetiu a reflexão em relação ao seu próprio partido. Em sua visão, a campanha de Biden está sendo aconselhada pelas pessoas erradas em relação ao eleitorado negro e, num discurso muito semelhante ao feito pelos adversários, ressaltou: o que importa é a economia e a imigração. “Não cabe mais gente em Atlanta”, afirmou.