O principal centro de votação de El Salvador, na região central da capital, San Salvador, está tomado de propaganda a favor do presidente licenciado e favorito na disputa eleitoral deste domingo (4), Nayib Bukele.
Há faixas em viadutos, tendas e dezenas de cartazes estampando a letra “N” sobre um fundo azul celeste, marca do seu partido, o Novas Ideias.
A propaganda descumpre ordem do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE). Na quinta-feira (1º), o órgão lembrou nas redes sociais que, “segundo o artigo 175 do código eleitoral, está proibida a propaganda durante os três dias anteriores à eleição e no próprio dia da mesma” a partidos políticos e seus simpatizantes.
Na postagem, o tribunal afirmou ainda que não seria permitido propaganda de partidos nos locais de votação.
A ornamentação do centro em San Salvador começou a ser preparada pelo Novas Ideias nos últimos dias, o que rendeu ao partido uma denúncia ao TSE salvadorenho, segundo reportagem do jornal El Diario de Hoy. O veículo atribuiu a informação a um membro da Junta Eleitoral do departamento da capital que pediu anonimato.
Houve ainda outras ações aparentemente irregulares nos últimos dias, como a entrega de alimentos em diferentes pontos do país. Segundo o jornal La Prensa Gráfica, o governo gastou mais de US$ 9 milhões (cerca de R$ 44,6 milhões) na contratação de serviços com esse fim
A expectativa, porém, é de que a denúncia não vá para frente. Embora ilegais, propagandas do tipo são instaladas aos olhos de policiais inertes todos os anos, segundo jornalistas locais. A diferença neste ano é o domínio de apenas uma sigla e a intensidade da celebração, ao gosto de Bukele.
Além disso, o TSE, aparelhado por Bukele em sua trajetória de concentração de poder nos últimos cinco anos, tampouco agiu quando o governo se recusou a pagar o fundo eleitoral para a oposição, que fez uma campanha visivelmente menos opulenta em comparação com o Novas Ideias.
O juiz do tribunal Guillermo Wellman chegou a afirmar, no final do ano passado que, até aquele momento, “todos os partidos políticos, com exceção daqueles que podem não ter financiamento, estão fazendo a mesma coisa que se faz todos os anos”
Isso sem mencionar que a própria candidatura do político à reeleição é, supostamente, ilegal, proibida por ao menos quatro artigos da Constituição salvadorenha.
A desigualdade de forças durante a campanha apenas aprofundou o fosso de popularidade entre Bukele e seus adversários. Institutos de pesquisa eleitoral afirmam que o presidente licenciado tem entre 70% e 90% das intenções de voto, enquanto o segundo lugar, Manuel Flores, da sigla esquerdista FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), pontua algo entre 2% e 5%.
Uniformizados com camisetas azuis, apoiadores de Bukele abriram espaço para que o presidente do Novas Ideias e primo do presidente licenciado, Xavier Zablah, e o ministro da Educação, José Mauricio Pineda, caminhassem em direção ao centro de votação.
Dois drones capturavam a cena dos simpatizantes em festa, gritando “Nayib” em uníssono. O cenário incluía fumaça e uma performance de bateria, além de fogos de artifício azuis estourando no céu.
Passando ao largo do grupo, o técnico de telecomunicações José Morales quis se certificar que a reportagem não era do governo antes de dar suas impressões sobre a eleição ao ser abordado pela Folha.
“Essa campanha foi muito desequilibrada. A balança pendeu para o governo em todos os sentidos, e a propaganda não foi equânime”, diz ele. “Agora, por exemplo, não pode haver nenhuma propaganda, e olha o que está acontecendo”, disse, apontando para as dezenas de apoiadores. Morales não quis falar em quem votou.
Jorge Hernández, 34, tampouco simpatiza com o presidente, ao contrário da maioria dos salvadorenhos. “Não concordo com a sua reeleição, em primeiro lugar, porque é inconstitucional”, afirma ele.
O comerciante citou ainda o regime de exceção que Bukele mantém no país há dois anos, por meio do qual prendeu mais de 70 mil pessoas. “Esse instrumento é para uma guerra ou emergência civil, porque ele suspende garantias constitucionais”, completou ele, citando amigos inocentes presos.
Apesar disso, Hernández jogou a toalha em relação à escolha para Presidência ao ver as pesquisas de opinião e decidiu anular seu voto. Para a Assembleia, votou pelo tradicional e enfraquecido partido de esquerda FMLN.
O movimento da multidão de abrir uma espécie de corredor no asfalto se repetiu em vários momentos ao longo do dia, obrigando alguns dos que tentavam chegar às urnas a passar entre os simpatizantes de Bukele.
Mesmo assim, o garçom Ronald Souza, 59, um dos eleitores de presidente licenciado, defendeu a ação, argumentando que ele e seus companheiros não estavam, no seu ponto de vista, pedindo voto.
Entre as razões apresentadas por Souza para votar no presidente estavam a resposta à pandemia, a economia e, como a maioria de seus apoiadores, a redução da criminalidade. “A segurança começou desde o primeiro dia de seu governo”, diz ele.
A questão da segurança também foi citada por Maria José Alfaro, 33, Edwin Alfaro, 26, e Manuel Soreano, 32, que vieram votar no centro de votação da avenida Olímpica durante a manhã. “Tenho 32 anos e nunca desfrutei da tranquilidade que tive nos últimos três anos em El Salvador na minha vida”, afirma Soreano.
Por volta das 14h30, uma multidão com cornetas, faixas e bandeiras chegou no local, acompanhada de uma fanfarra, para receber Bukele. A música da caixa de som aumentou de volume, e o presidente licenciado saiu de um dos oito carros de sua comitiva vestindo um boné branco e uma camisa azul.
Cercado de seguranças, ele passou pelo corredor paralelo à tenda de votação enquanto seus apoiadores tentavam alcançá-lo. O favorito acenou em direção a eles e não falou com a imprensa, indo embora cerca de 15 minutos depois.
Vários dos 1.595 centros de votação do país atrasaram o início do pleito, marcado para as 7h (10h no horário de Brasília). O Centro Escolar San Agustín, o maior da cidade de Zacatecoluca, por exemplo, só abriu as portas por volta das 9h, segundo a imprensa local.
Há cerca de 5,4 milhões de pessoas aptas a votar neste domingo em El Salvador. Fora do país, onde vivem mais de 3 milhões de salvadorenhos, a votação acontece desde o dia 6 de janeiro pela internet —sob desconfiança de organizações nacionais e estrangeiras.
O Escritório de Washington para a América Latina, por exemplo, expressou “profunda preocupação” com a situação. “No dia 6 de janeiro de 2024, os salvadorenhos nos Estados Unidos começarão a votar sob um sistema sem regulamentações claras. A votação eletrônica presencial e remota, conforme determinação do TSE, ocorrerá sem fiscalização eleitoral ou observação direta”, disse a organização pelo X.