Os argentinos vão às urnas neste domingo (22) sem conseguir prever o dia de amanhã. “Não tenho ideia do que vai acontecer na segunda [23], mas sei que estaremos piores, e não melhores”, diz o comerciante Juan González, 52, enquanto remarca os preços dos alfajores em um dos típicos “kioscos” de Buenos Aires.
O clima no país vizinho é de profunda incerteza diante de uma eleição que pode mudar drasticamente, ou não, o dia a dia da população. O pleito ocorre depois de meses de uma aflitiva espera vendo o dólar e os preços subirem, enquanto o governo tenta segurar as pontas até que se defina quem será presidente a partir de 10 de dezembro, no lugar do ausente Alberto Fernández.
São três as principais possibilidades consideradas, prevendo sempre uma vantagem do ultraliberal Javier Milei, que completa 53 anos neste sábado (21). Candidato mais votado nas primárias de agosto, ele tem como promessas centrais trocar os pesos por dólares, acabar com o Banco Central e diminuir drasticamente o Estado num país habituado há 20 anos com subsídios.
Uma das expectativas, pelas pesquisas feitas até a última semana, é que ele vá a um segundo turno em 19 de novembro com o atual ministro da Economia, Sergio Massa, 51. O candidato governista e peronista carrega o feito de ainda estar entre os favoritos mesmo gerindo sucessivas corridas cambiais e uma inflação de 138% ao ano, uma das maiores do mundo.
Considerando, porém, o nível de ineditismo e indefinição dessas eleições no país —que até o surgimento de Milei era marcado pela polarização—, a macrista Patricia Bullrich, 67, ainda tem chances. Se ela conseguir desbancar Massa, será a primeira vez em quatro décadas de democracia que o peronismo não chega a um segundo turno ou ganha no primeiro.
Isso também ocorrerá caso a terceira possibilidade se confirme e Milei vença já no primeiro turno, como seus apoiadores passaram a entoar em atos de campanha nas últimas semanas. Para isso, ele precisa atingir 45% dos votos válidos, ou 40% e 10 pontos percentuais de diferença para o segundo colocado. Nas primárias, ele alcançou 30%.
Para o Brasil, que tem a Argentina como terceiro maior parceiro comercial, está em jogo uma relação de proximidade com Lula, embora seja improvável que Milei corte totalmente o vínculo com seu principal importador e exportador. A equipe do ultraliberal defende rever o Mercosul e se opõe à entrada no Brics, mas diz que o setor privado pode “comercializar com quem quiser”. Fernando Haddad admitiu que está preocupado.
Para os argentinos, as principais preocupações são a inflação, há um ano e meio em primeiro lugar, e depois a violência. O país atravessa sua terceira grande crise econômica recente, com um déficit fiscal insistente, alta dívida externa, moeda sem credibilidade e falta de dólares nos cofres públicos, o que engrossa as filas da pobreza.
Agora, não se sabe o que vai acontecer com o dólar, e consequentemente com os preços, a partir desta segunda, por isso a vida cotidiana se dividiu em “antes das eleições” e “depois das eleições” nos últimos tempos.
Quem podia adiantou o pagamento de bens mais caros e correu para adquirir a moeda americana nos bancos, no mercado financeiro ou nas casas de câmbio paralelas —muitas paralisaram a venda nos últimos dias, ameaçadas por controles do governo e guardando suas cédulas para uma eventual explosão da divisa após o pleito.
Quem não podia muitas vezes teve que reduzir o consumo, sufocado pelo aumento dos preços impulsionados pela vitória de Milei e por medidas de Massa desde as primárias. Diante das incertezas, importações estão paradas nos portos, e parte dos vendedores decidiu segurar seus produtos duráveis.
Empresas também anteciparam salários e 13º, para se livrar dos pesos e permitir que funcionários façam o mesmo. “Meu chefe nos chamou nesta quinta [19] e disse que nos pagaria metade do salário de novembro. Anunciaram como uma medida positiva, mas não é, não é normal”, conta a advogada Sofía, 28, que não quis ter o sobrenome divulgado.
A corrida ao dólar é um movimento comum na Argentina antes de eleições, mas dessa vez se acentuou diante de um candidato com propostas cujos efeitos são imprevisíveis.
Até agora, avaliam analistas, um eventual caos social tem sido contido por uma taxa de desemprego baixa, por um consumo e atividade econômica que não vão mal —apesar de começarem a dar sinais de esgotamento— e pela ligação histórica do governo atual com a maioria dos sindicatos e movimentos sociais.
Há temor, porém, de que a situação saia do controle de alguma forma a depender do que ocorra nas urnas e depois que um novo governo assumir, como se ensaiou depois das primárias. Naquela semana, o dólar explodiu, muitas vendas se paralisaram e uma onda de saques atingiu supermercados e pequenos comércios, sendo contida em poucos dias.
Na reta final, Massa lançou mão de fortes restrições para tentar conter o dólar e não prejudicar sua candidatura. Apesar de ser o rosto de uma economia em crise e parte de um governo reprovado por oito em cada dez argentinos, o economista e ex-deputado é visto como viável por não ser um peronista tradicional e estar mais ao centro.
Já Milei tentou reforçar seu discurso “anticasta” e anticorrupção, seu “plano motosserra” contra os gastos públicos e sua dolarização, o que desperta tanto o voto de protesto quanto de esperança no eleitor. Com uma carreira construída no mundo acadêmico, o também economista ganhou fama bradando suas opiniões radicais em programas de TV, que o catapultaram a deputado e depois a presidenciável em 2021.
Bullrich, por sua vez, deu uma guinada ao centro depois do susto das primárias, chamando seu rival interno Horacio Larreta para fazer parte da equipe. Deixou de dar tanta ênfase ao seu lado linha-dura na segurança, ministério que comandou sob Mauricio Macri (2015-2019), inverteu os papéis e passou a se apresentar como terceira via ao peronismo e o “louco” Milei.
Ela tem nas mãos o futuro da até então principal força opositora da Argentina, que a depender dos resultados deste domingo pode mostrar sobrevida ou afundar-se na irrelevância. Nenhuma hipótese está descartada.