A Justiça de El Salvador ordenou nesta sexta-feira (22) a prisão do ex-presidente Alfredo Cristiani, acusado de ter atuado para encobrir o massacre de El Mozote, um dos episódios mais sombrios da guerra civil que por 12 anos assolou o país da América Central, em 1981.
A decisão veio à tona neste sábado (23) e foi emitida por um tribunal local da cidade de San Francisco Gotera. O ex-líder Cristiani, 76, é descrito ao lado de outras nove pessoas como responsável por promover uma lei de anistia geral que, aprovada em 1993, eximiu os acusados de crimes de guerra de irem a julgamento.
O documento descreve o massacre de El Mozote como um crime contra a humanidade que não prescreve e ordena a prisão do ex-presidente e de outras quatro pessoas que atuaram como legisladores.
Em vez de interpretada como um avanço pela reparação e pela defesa dos direitos humanos, no entanto, a decisão foi vista por organizações de direitos humanos e opositores como um movimento do presidente Nayib Bukele, que tem conduzido uma guinada autoritária no país, para sufocar a oposição a poucos meses das eleições no país.
Isso porque um dos quatro políticos com mandado de prisão expedido é o veterano Rubén Zamora, um histórico líder da oposição que já atuou como embaixador salvadorenho nos Estados Unidos, na ONU e na Índia. Ele tem sido uma das vozes mais expressivas contra Bukele.
Quando o atual líder anunciou que, a despeito do que diz a Constituição salvadorenha, competiria à reeleição no início de 2024, Zamora o criticou e afirmou que há um medo generalizado entre os políticos do país. “Ninguém quer ser candidato, há muito medo político no momento”, afirmou ele durante entrevista ao Canal 21.
Membros da oposição argumentam que Bukele já logrou cooptar o Judiciário e que Zamora, à época da aprovação da anistia, opôs-se a essa lei, assim como seu partido, o Convergência Democrática. Assim, afirmam que o presidente promove perseguição política para sufocar vozes contrárias a ele e a seu governo.
No massacre de El Mozote, que virou tema de diversos livros da literatura latino-americana, cerca de mil camponeses foram assassinados durante uma operação militar que afirma conter a “contrainsurgência”. Após matar as mais de mil pessoas da comunidade, militares atearam fogo nos corpos e nas casas.
Oficialmente, as forças de segurança, à época apoiadas pelos Estados Unidos, afirmaram que o objetivo era buscar guerrilheiros esquerdistas da Frente Farabundo Martí para la Liberación Nacional (FMLN).
Quando Cristiani era presidente, ele assinou acordos de paz em 1992, na Cidade do México, que puseram fim à guerra civil que deixou aproximadamente 75 mil mortos em El Salvador.
O documento emitido pela corte local afirma que a lei de anistia, de um ano depois, impossibilitou que autoridades judiciais pudessem “fazer justiça pela vítimas mediante alguma sentença que condenasse os culpados a uma reparação legal pelo dano causado às vítimas”.
À época presidente, Alfredo Cristiani foi responsável por sancionar a lei proposta por então deputados, alguns dos quais agora também são alvos de mandados de prisão. A aprovação da chamada “Lei da Anistia Geral e da Consolidação da Paz” impediu que diversos torturadores, assassinos e responsáveis por desaparecimentos de civis durante os 12 anos de guerra civil fossem julgados.