Uma emenda constitucional que pavimenta o caminho para que o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, modifique a Constituição do país na prática sem contrapesos foi criticada nesta terça-feira (30) por juristas, analistas e ativistas e classificada como um passo em direção à consolidação de um regime ditatorial.
Na semana derradeira da legislatura atual na Assembleia Legislativa, dominada pelo partido Novas Ideias, de Bukele, a Casa aprovou nesta segunda (29) a modificação de uma norma constitucional que estipulava que toda emenda deveria ser ratificada pela próxima legislatura para entrar em vigor. Agora, uma mudança na Constituição pode ser aprovada e ratificada pelo mesmo grupo de deputados.
Isso significa que os 54 deputados do Novas Ideias (de um total de 60) eleitos para a próxima legislatura, poderão aprovar e ratificar qualquer alteração constitucional aprovada pela Casa sem precisar esperar pela próxima eleição. Para isso precisarão de 75% dos deputados —mas já têm 90% deles.
Para entrar em vigor, a emenda deve apenas seguir o rito previsto anteriormente e ser ratificada pela nova legislatura, que começa a trabalhar nesta quarta-feira (1º). Com a maioria absoluta da legenda bukelista, isso é dado como certo.
Segundo o jornal El Faro —o maior do país, que se mudou em 2023 para a Costa Rica em meio a ataques e intimidação— apoiadores e correligionários de Bukele já falam na aprovação de emenda que garanta a possibilidade de reeleição indefinida para o cargo de presidente. Em tese, a Constituição do país hoje veta a recondução, o que não impediu Bukele de se candidatar e vencer o pleito em fevereiro passado.
Um deputado governista afirmou que a reforma permitirá “refundar este país”. Críticos, no entanto, dizem Bukele poderá mudar a Constituição como desejar, sem contrapesos ou a eventualidade de um novo pleito eleger um Legislativo menos favorável ao seu partido.
“Parece-me que o país está caminhando para a consolidação de um esquema ditatorial com uma maior concentração de poder”, disse à AFP o analista político e ex-comandante guerrilheiro Eugenio Chicas.
“O presidente tem via livre para impulsionar as medidas que desejar, sem ter ninguém que lhe faça contrapeso”, afirmou à AFP o analista independente Carlos Araujo, que disse que Bukele poderá aprovar “reformas constitucionais ao seu bel-prazer, sem análise, sem discussão”.
Bukele foi reeleito em 4 de fevereiro com 85% dos votos para um novo mandato de cinco anos, favorecido por sua guerra contra as gangues. Populares, as medidas entregam bons índices de segurança pública enquanto esmagam garantias básicas de direito de defesa e encarcera em massa. Investigações sobre suposto pacto do governo com chefes de gangues em troca de apoio político foram sufocadas, segundo German Arriaza, ex-procurador que fugiu do país.
Eleito em fevereiro, Bukele cantou vitória antes mesmo do fechamento das urnas. A contagem de votos teve atrasos, e a reeleição foi ratificada após duas semanas pela Justiça eleitoral.
A missão de observação eleitoral da OEA (Organização dos Estados Americanos) se declarou “preocupada” com o atraso da apuração para o Congresso na ocasião.
A comitiva da organização afirmou ainda que observou falta de controle por parte do tribunal eleitoral sobre o processo de contagem de votos, dizendo que “em diversas ocasiões, as decisões ficaram nas mãos dos representantes dos partidos políticos”.