Albert Einstein, o mais importante e conhecido físico do século 20, morreu aos 76 anos em 1955, sem que sua biografia estivesse associada às bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki.
O pai das duas bombas foi Robert Oppenheimer, de recente visibilidade por causa de um filme que vem recebendo prêmios importantes e pode também receber o Oscar.
Eis que a Netflix aparentemente mistura as bolas e lança um média-metragem intitulado “Einstein e a bomba”. Mais ou menos como se o cientista nascido na Alemanha fosse o chefe ou a fonte inspiradora de Oppenheimer e de sua equipe do Projeto Manhattan. Foi esse o grupo que entre 1940 e 1946 pesquisou e produziu sigilosamente nos Estados Unidos os artefatos que poriam fim à Segunda Guerra.
O documentário sobre Einstein foi produzido no Reino Unido, e dirigido por Anthony Philipson. Apesar da suspeita de pegar carona na reputação cinematográfica de Oppenheimer, é um filme interessante por tentar situar no roteiro da bomba o físico que se tornou conhecido pela teoria da relatividade.
O roteiro simplifica a história real e diz que Einstein, já fixado nos Estados Unidos e professor na Universidade de Princeton, escreveu carta ao presidente Franklin Roosevelt, alertando-o para as pesquisas nucleares estimuladas por Hitler. Por uma leitura retroativa dos fatos, os nazistas com a bomba atômica teriam sido os vencedores da guerra, e o mundo viraria um inferno fascista.
Segundo o documentário, a carta ao presidente americano desencadeou a obsessão em chegar na dianteira na corrida à bomba.
A versão real tem o mesmo enredo, mas envolve bem mais gente. Quem contou a Einstein sobre as pesquisas dos físicos nazistas foi o húngaro Leo Szilard, que o estimulou a fazer alguma coisa. Einstein já era na época uma celebridade. Mesmo assim, mobilizou seus contatos na família real da Bélgica para que Roosevelt o recebesse e discutisse com ele na Casa Branca. Foi o que acabou acontecendo.
Estávamos em 1939. A guerra começaria nos meses seguintes, mas só em 1941 os americanos, atacados pelo Japão, entrariam no conflito.
Uma pergunta importante: por que é que Einstein não foi convidado para o Projeto Manhattan? Em verdade, ele era um notório pacifista e não produziria uma arma que só em Hiroshima matou no momento da explosão 70 mil civis. Além disso, caso Einstein abrisse mão de seu cargo em Princeton para trabalhar clandestinamente no deserto do sudoeste, os serviços secretos alemães o procurariam e, se o localizassem, acabariam com ele.
O documentário britânico lança mão de um personagem real, o jornalista japonês Katsu Hara, que entrevistou Einstein já nos anos 1950. O físico diz —e sua explicação é meio a síntese do que falou ou escreveu durante sua vida— que não se considerava o dono do processo que permitiu a divisão do átomo e a liberação da energia atômica.
“Meu papel foi indireto. Em 1905 eu descobri qual era a relação entre massa e energia. Afirmei que uma quantidade pequena de massa pode ser convertida numa quantidade enorme de energia. Eu então acreditava que a energia atômica era possível, mas só no plano teórico. Não me passava pela cabeça que, enquanto eu ainda estivesse vivo, algo de concreto seria feito.”
Einstein diz ainda que seu “grande erro” foi o de ter estimulado o presidente Roosevelt a agir. Mas em 1939 os laboratórios alemães estavam produzindo rápido conhecimento. E só foi em 1944 que os serviços aliados de inteligência receberam a informação de que o 3º Reich havia fracassado em seu programa de produção da bomba atômica.
“Não sou apenas um pacifista, mas um pacifista militante. Estou disposto a lutar pela paz.” A afirmação na boca de Einstein faz sentido em qualquer momento de sua vida. Ele a exprimiu, por exemplo, quando em 1933, ainda exilado na Inglaterra, foi o principal orador de um comício para 10 mil pessoas, em Londres, no Royal Albert Hall. Hesitou em aceitar o convite para discursar. Acreditava que, por melindrar os nazistas, tornaria mais difícil a vida dos judeus que ainda estavam na Alemanha.
O judaísmo professado por Einstein era laico. Afirma que se considerava simplesmente alemão, antes que os nazistas o definissem como não-ariano. E então passou a se orgulhar da cultura judaica. Os judeus, diz ele no filme, são um povo habituado a buscar a verdade.
De resto, o documentário de Anthony Philipson passeia pelos chavões históricos que se sobressaem com o fascismo alemão nos anos 1930-40. Com alguns erros provocados pelo apressamento na tradução para que o filme se tornasse rapidamente disponível. É assim que a Noite dos Cristais, hecatombe antissemita de 1938, com a destruição de sinagogas e o assassinato e prisão de judeus, virou “noite dos vidros quebrados”.