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O principal evento legislativo do calendário político chinês, chamado de Duas Sessões, começou nesta segunda-feira (4) cercado de expectativas em Pequim. Até o final de março, oficiais de todas as partes do país se reunem para aprovar leis, nomeações e metas do ano fiscal de 2024.
O momento mais importante é a entrega do relatório anual de trabalho pelo premiê, Li Qiang, que avalia o que deu certo e errado no ano anterior e estabelece metas para os próximos 12 meses. O governo chinês já anunciou que espera um crescimento de 5% do PIB neste ano.
- A queda da natalidade chinesa, a importância da empregabilidade juvenil, a regulação e uso de inteligência artificial e a atração de investimento privado devem ser temas aguardados no relatório de Li Qiang.
Independentemente do que ele disser, a reunião deste ano entra para a história por quebrar uma tradição de mais de três décadas. É que, pela primeira vez desde 1994, o premiê não vai participar de uma coletiva de imprensa durante o evento. Historicamente, são detalhados os planos para a economia, diplomacia, comércio e modernização militar nesse encontro com os jornalistas.
O silêncio pode ser interpretado como uma tentativa de não constranger Li ao ter que comentar sobre uma de suas obrigações nas Duas Sessões: a aprovação de cargos vagos no governo.
Em 2023, vários oficiais foram expurgados de seus postos, incluindo nomes importantes do Conselho de Estado, como o então ministro da Defesa, Li Shangfu e o então chanceler, Qin Gang, além de vários militares. Pequim nunca explicou as demissões e a expectativa era de que substitutos fixos para esses postos fossem anunciados agora.
Segundo a agenda de trabalho divulgada pela agência estatal Xinhua, parlamentares não vão tocar neste assunto ao longo do evento. Ninguém sabe dizer o porquê.
Era esperado que Li Qiang apresentasse na coletiva dados importantes sobre economia e as estratégias que deveriam ter sido discutidas durante a Terceira Plenária do Comitê Central do PC Chinês, em 2023. Adiado várias vezes, o encontro até agora não aconteceu.
Por que importa: a blindagem de Li Qiang e a falta de clareza sobre as políticas econômicas para 2024 alimentam incertezas. Tradicionalmente, as Duas Sessões são observadas com cuidado por analistas políticos e investidores justamente por representarem uma janela para o que o partido discute a portas fechadas.
Sem informações sobre quem controlará áreas-chave do país e com dados econômicos obscuros, o evento deste ano pode potencializar ainda mais o senso de instabilidade que o capital privado tende a evitar.
pare para ver
Autor: Poster de propaganda da Revolução Cultural mostra o Grande Salão do Povo, local onde acontecem anualmente as Duas Sessões. A pintura de autor desconhecido faz referência a dois importantes documentos aprovados na Casa naquele período: o “Aviso de 16 de Maio” e os “Dezesseis Pontos”, que ditaram o culto à personalidade de Mao e a perseguição política daqueles que se recusaram a fazê-lo.
o que também importa
★ O alto comissário da ONU para os direitos humanos pediu à China que altere leis que violam direitos fundamentais de minorias étnicas. Volker Turk afirmou que está empenhado em dialogar com Pequim e também pediu a libertação de defensores dos direitos humanos, advogados e outras pessoas detidas por “provocar brigas e causar problemas”, um guarda-chuva legal da lei chinesa usualmente implementado para aprisionar oposicionistas na sociedade civil. Em 2022, a antecessora de Turk, Michelle Bachelet, divulgou um relatório em que aventava a possibilidade da detenção de uigures em Xinjiang constituir crimes contra a humanidade.
★ Maior empresa de games do mundo, a chinesa Tencent anunciou que vai abrir um escritório no Brasil. Dona de marcas conhecidas como “League of Legends”, “Valorant” e “PUBG Online”, a empresa pretende contratar uma equipe brasileira e trabalhar na tradução dos seus títulos atuais para o português. Em comunicado, o gerente de e-sports da Tencent, Vincent Wang, disse esperar aprofundar os laços com o Brasil e fortalecer a presença do grupo na América Latina. Não há prazo para a instalação do escritório, embora fontes do mercado tenham declarado que o recrutamento para as novas vagas começou.
★ O México negou que tenha se candidato para uma cadeira nos BRICS, após notícias sobre o tema circularem na mídia. Pelo X (antigo Twitter), a secretária de Relações Exteriores mexicana, Alicia Bárcena, afirmou que “está acompanhando de perto o desenvolvimento da associação, tendo em conta o peso econômico dos seus países-membros e as relações bilaterais que o nosso país mantém com os seus membros”. Os boatos causaram surpresa em Washington, já que em agosto do ano passado, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, descartou uma associação ao bloco “em virtude da proximidade e geopolítica nas suas relações com a América do Norte”.
fique de olho
O secretário das Relações Exteriores filipino, Enrique Manalo, disse na segunda-feira (4) que o seu país espera resolver disputas marítimas com a China de forma pacífica, mas demandou que Pequim “pare de assediar” as Filipinas. A declaração foi dada durante a primeira cúpula entre países do Sudeste Asiático e Austrália, sediada em Melbourne.
- Manalo se referia aos vários enfrentamentos tensos entre as marinhas dos dois países no mar do Sul da China nos últimos meses (escrevi sobre isso em setembro);
A China chegou a disparar um canhão de água contra embarcações de Manila que tentavam reabastecer navios ancorados por lá. Também instalou barreiras no atol de Scarborough, uma cadeia triangular de recifes e rochas disputada não só por Pequim e Manila, mas também pelos taiwaneses. As barreiras tinham como objetivo impedir a entrada de pescadores na região.
As Filipinas reagiram enviando oficiais da Guarda Costeira para retirar a estrutura e enviando um navio de guerra para as proximidades do banco de areia. O presidente do país afirmou que jamais entregará “nem um centímetro quadrado do nosso território e da nossa jurisdição marítima”.
Por que importa: a porta-voz da chancelaria chinesa, Mao Ning, reagiu às declarações de Manalo e disse que a posição do seu país em relação ao mar do Sul da China é “consistente e clara”. Acusou os filipinos de adotarem uma postura “provocativa”, mas parou por aí.
A China não tem intenção de escalar o conflito neste momento, dados os custos econômicos, políticos e diplomáticos de tal empreitada. Não por acaso, o porta-voz do Congresso Nacional do Povo, Lou Qinjian, disse em coletiva de imprensa em Pequim que a China busca “a amizade e a parceria com seus vizinhos (…) destacando o princípio da amizade, sinceridade, benefício mútuo e inclusão”.
para ir a fundo
- Estão abertas as inscrições para o curso “China, Tecnologia e Inovação – Insights e aprendizados de uma potência global” realizado pela Faculdade de Informática e Administração Paulista. O curso vai tratar das recentes inovações no mercado chinês e como enxergá-las do ponto de vista brasileiro. Saiba mais aqui. (pago, em português).
- A Associação Brasileira de Empresas Chinesas, o Instituto Confúcio na UNESP e a IEST Group realizam em abril a 6ª edição da Feira de Recrutamento de Empresas Chinesas. O evento, que acontece na Vila Mariana (SP) vai reunir vários recrutadores em busca de candidatos brasileiros para vagas de trabalho. Informações aqui. (gratuito, em português).
- O Conselho Empresarial Brasil-China realiza nesta terça (5) um debate acerca do futuro das exportações brasileiras para o país asiático. A ideia é apresentar perspectivas para exportadores e discutir como os negócios se encaixam em um novo momento de queda nos investimentos chineses e crescimento econômico menor. Veja aqui. (gratuito, em português).