O júri que julga se Donald Trump é culpado por falsificar registros empresariais para encobrir pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels entrou nesta quinta-feira (30) no segundo dia de deliberação.
Na quarta, o grupo, formado por 12 pessoas, se reuniu durante quatro horas e meia. A tarefa é inédita: condenar ou absolver, pela primeira vez na história, um ex-presidente americano acusado de crimes.
São 34 acusações –cada uma trata da falsificação de um documento diferente. O júri precisa chegar a um veredicto de “culpado” ou “não culpado” para cada uma delas de maneira unânime. Não há prazo para que a decisão seja divulgada –pode levar horas ou semanas.
Há ainda outros três processos criminais contra Trump, mas nenhum deles deve ser concluído antes da eleição, em 5 de novembro, graças a uma estratégia bem-sucedida da defesa de protelar o andamento. Neste momento, não há nem sequer data prevista de início nos casos em que ele é acusado de tentativa de reverter a eleição de 2020, interferência eleitoral na Geórgia em 2020, e posse ilegal de documentos sigilosos.
Quais são os desfechos possíveis?
Há três opções caso os jurados consigam chegar a uma decisão unânime:
- O júri pode considerar Trump culpado por todas as acusações;
- Considerar culpado em uma parte das 34, e absolvê-lo de outras;
- Absolvê-lo de todas as acusações
No entanto, se um acordo entre o júri for impossível —não é necessário mais do que uma pessoa para bloquear um veredicto—, a falta de unanimidade obriga o juiz a anular o julgamento, situação chamada em inglês de “hung jury”. Nesse caso, cabe à promotoria decidir se tenta levar o caso adiante novamente.
O que acontece se Trump for considerado culpado?
Cabe ao juiz Juan Merchan definir a sentença. A pena pode ser branda, como serviço comunitário, até reclusão por até quatro anos por cada um dos crimes (os anos, no entanto, não devem se somar, e sim serem cumpridos concomitantemente).
Mas, como Trump é réu primário e os crimes não são considerados graves, a aposta é que o juiz não seja duro.
Legalmente, a condenação não tem nenhum impacto sobre a campanha do republicano pela Presidência neste ano. Não há nenhuma previsão na Constituição americana que impeça alguém declarado culpado por um crime de concorrer —mesmo que esteja preso.
Quem são os jurados?
O grupo de 12 pessoas é formado por residentes de Nova York. O fato de a cidade ser fortemente democrata é uma das reclamações da defesa de Trump, que vê no júri um viés contra o ex-presidente.
Há ainda outros 6 jurados substitutos, que assumem a vaga caso algo impeça um jurado principal de cumprir suas funções.
A identidade dos jurados não pode ser revelada. No entanto, há algumas informações divulgadas sobre seu perfil:
- São 7 homens e 5 mulheres no júri principal
- Ao menos 7 possuem ensino superior (incluindo os substitutos)
- Ao menos um tem uma conta na rede social de Trump, a Truth Social, e segue tanto o ex-presidente quanto Cohen
- Dois não são originários dos EUA: um jurado do grupo principal cresceu na Irlanda e uma do grupo substituto, na Espanha
O que aconteceu no primeiro dia de deliberações?
Duas solicitações foram feitas, por meio de uma nota de papel, ao juiz Juan Merchan.
A primeira pediu a releitura de trechos dos testemunhos de David Pecker, publisher do tabloide National Enquirer, e de Michael Cohen, ex-“faz tudo” do republicano, que tratam de uma suposta reunião com o ex-presidente na Trump Tower, em Nova York, em que o acordo para que o veículo identificasse e matasse históricas prejudiciais na campanha de 2016 teria sido fechado.
O júri também solicitou a releitura das instruções recebidas pelo juiz na quarta –citando especificamente uma metáfora sobre chuva para exemplificar que é possível fazer inferências a partir de evidências –de que choveu durante a noite se o chão estiver molhado pela manhã– mesmo não tendo visto a água cair.
A Justiça Estadual de Nova York, onde ocorre o julgamento, não permite que o júri tenha uma cópia das instruções –embora ela esteja disponível online.
Defesa e acusação discutiram que trechos dos depoimentos seriam lidos novamente, o que deve acontecer nesta quinta.
Do que trata o julgamento?
Esta é a sétima semana do julgamento, que acontece na Corte Criminal de Manhattan, em Nova York. Foram ouvidas 22 testemunhas, entre elas Daniels e Cohen, antigo aliado fiel de Trump que se virou contra o ex-presidente.
Segundo a Promotoria, Cohen foi responsável por pagar US$ 130 mil a Daniels para que ela não revelasse ter supostamente feito sexo com Trump em um hotel em Lake Tahoe (Nevada) em 2006, após os dois se conhecerem em um torneio de golfe.
Em um testemunho relatado como desconcertante pelos presentes na corte, a atriz afirmou que aceitou um convite feito por meio de um guarda-costas do empresário para jantar com ele.
Os dois teriam conversado durante cerca de duas horas na suíte em que o empresário estava hospedado —Trump teria questionado sobre doenças sexualmente transmissíveis, feito um convite para ela participar do reality show “O Aprendiz”, e dito que ela o lembrada de sua filha.
Em certo momento, ela diz que foi ao banheiro e, quando retornou, ele estava na cama apenas de cueca e camiseta. Daniels foi detalhista ao ponto de narrar a posição sexual e que o empresário não teria usado camisinha. Trump nega que tenha se relacionado com ela.
A defesa de Trump, liderada pelo advogado Todd Blanche, argumentou que o testemunho buscava constranger o réu e inflamar o júri e que, por isso, o julgamento deveria ser anulado.
“Eu realmente acho que houve algumas coisas que teriam sido melhor deixadas não ditas. Dito isso, não acredito que estamos no ponto em que a anulação do julgamento seja justificada”, respondeu Merchan.
A testemunha principal da acusação, no entanto, era Cohen. Descrito como “faz tudo” de Trump, o advogado afirmou que foi incumbido pelo ex-presidente de pagar Daniels para que não revelasse a história durante a campanha eleitoral de 2016, temendo o impacto nas urnas.
Durante o julgamento, a promotoria afirmou que esta não foi a única vez que isso aconteceu: Trump, Cohen e o então publisher do tabloide National Enquirer, David Pecker, teriam conspirado juntos para identificar notícias potencialmente danosas ao republicano e “matá-las”, ou seja, comprar a história e não publicá-la.
Após a eleição, vencida por Trump, e quando ele já havia tomado posse, Cohen teria tido uma reunião com o então presidente no Salão Oval da Casa Branca para discutir como seria reembolsado pelos pagamentos feitos a Daniels. É aqui que está o crime: segundo a promotoria, os dois planejaram mascarar esses pagamentos nos registros empresariais da Organização Trump e como uma espécie de honorário de reserva para Cohen.
Da sua parte, a defesa negou que esse tenha sido o intuito dos pagamentos, afirmando ora que foram remunerações habituais ao advogado, ora que Trump não sabia qual seria a finalidade do dinheiro. A credibilidade de Cohen também foi um dos principais alvos da defesa –o advogado já se declarou culpado por nove acusações criminais em 2018, incluindo mentir ao Congresso, e já admitiu ter mentido à Justiça.
Qual o impacto do veredicto na eleição?
Se o empresário for considerado culpado, é possível que ele perca o apoio de uma margem do eleitorado que, apesar de pequena, é essencial em uma eleição extremamente apertada. Por outro lado, se escapar de uma condenação, o veredicto será comemorado como uma vitória pela campanha republicana, reforçando o argumento de que Trump é supostamente perseguido por promotores democratas.
Para analistas, do ponto de vista do eleitor, uma condenação total ou parcial faria pouca diferença —o entendimento seria de que Trump foi considerado culpado e ponto. De modo semelhante, o ex-presidente seria visto como inocente tanto se não for condenado em nenhuma das acusações quanto se o julgamento for anulado em razão de um impasse.
A segunda opção é o maior temor de democratas —uma não condenação daria um impulso ao republicano em um momento em que a campanha começa de fato a entrar no radar do eleitorado, com o primeiro debate marcado para daqui a um mês.
Além de reforçar a narrativa de perseguição política, Trump também deve usar a falta de uma condenação como argumento de que esse deve ser o mesmo desfecho dos outros processos criminais contra ele, na tentativa de desarmar a desconfiança principalmente do eleitorado independente contra ele.
Uma pesquisa de opinião Reuters/Ipsos divulgada há um mês mostra que Joe Biden amplia a vantagem de 1 para 3 pontos percentuais se Trump for condenado pela Justiça. A margem sobe para 7 pontos se ele estiver cumprindo pena de prisão (uma sentença considerada pouco provável neste caso).
Outra pesquisa Ipsos, esta em parceria com a rede ABC, divulgada no início de maio, tratou especificamente do julgamento em Nova York. Entre eleitores do ex-presidente, apenas 4% afirmam que deixariam de votar nele em caso de condenação. Outros 16% dizem que reconsiderariam sua decisão. Os números podem ser pequenos, mas se tornam relevantes considerando que, neste momento, Trump está apenas 1,1 ponto percentual à frente de Biden na média das pesquisas eleitorais, segundo o agregador Real Clear Politics.
A campanha democrata debate a melhor forma de explorar uma eventual condenação. Até agora, para não reforçar as acusações de Trump de perseguição política, Biden praticamente não se manifestou sobre os processos criminais. Parte de seus aliados defende que ele siga mantendo distância, deixando para imprensa e redes sociais a repercussão do fato histórico da possível condenação criminal de um ex-presidente e candidato à Casa Branca.
Já outros membros do partido defendem tirar proveito da situação —a equipe de redes sociais de Biden, por exemplo, debateu recentemente começar a se referir ao republicano como “criminoso condenado” em caso de decisão nesse sentido, segundo a imprensa americana.