O futuro será marcado por mudanças que serão geradas pelo aumento da complexidade, incerteza e instabilidade no mundo. A afirmação é do diretor da ONU em temas de Tecnologia, Inovação e Grandes Dados, Alexandre Caldas.
Em entrevista para o Podcast ONU News, ele defendeu que o planejamento estratégico da organização deve estar preparado para lidar com esses três fatores em diferentes cenários temporais.
Visão estratégica e adaptação
“É aí que está o valor da perspectiva estratégica, de preparar os sistemas e preparar as entidades para agirem de forma diferente em cenários diferentes, consoante os sinais que vão emergindo. Não só na área ambiental isto é significativo. É muito significativo, por exemplo, na área da paz e segurança. Portanto, é óbvio que nestes três cenários temporais, até 2030, entre 2030 e 2050, e após 2050, as mudanças que se vão registar na área da paz e segurança vão afetar de forma brutal o sistema das Nações Unidas”.
Caldas, que é chefe de Alertas Antecipados e Análise de Dados do Programa da ONU para o Meio Ambiente, Pnuma, mencionou que esse tipo de levantamento foi realizado na área ambiental, identificando 18 sinais de mudança no futuro.
Segundo ele, a adaptação a cenários diferentes pode tornar os planos da ONU mais resilientes e investir em prospecção é o caminho para tornar a organização mais preparada para lidar com mudanças disruptivas e crises que virão.
“Salas de Situação”
“Se nós mapearmos os fluxos migratórios numa ação de conflito, numa zona de conflito, podemos prever ou ajudar a prever a ação de como serão os movimentos das pessoas deslocadas e os refugiados, mas não só. Portanto, as pessoas que, dada a ação de conflito, vão estar em situação de risco. E conseguimos estabelecer dois, três cenários. Se o cenário de guerra permanecer durante um curto espaço de tempo, ou se conseguir encontrar uma solução. Os movimentos migratórios e as pessoas deslocadas vão acabar por se expandir desta forma. Se o outro cenário não acontecer dessa forma, se houver um processo de paz e de reconciliação, como é que poderemos agir?”
O especialista ressaltou a importância do surgimento de uma “ONU 2.0” que utiliza inovações tecnológicas para realizar este tipo de análise. Nesse sentido, ele mencionou as “Salas de Situação”, onde várias camadas de informação vão sendo conjugadas para ajudar na tomada de decisões.
Iniciativa “Um Mapa, Uma Humanidade”
Caldas ressaltou a iniciativa “Um mapa, uma humanidade”, que agrega em uma única plataforma dados de 42 agências da ONU. A inovação envolve cinco pilares, que são paz e segurança, humanitário, desenvolvimento sustentável, estado de direito e direitos humanos.
O especialista, que lidera a Rede Geoespacial da ONU, afirmou que mais de 90% da informação útil vem da geolocalização e permite um olhar que abarca desde o global, ao regional até as comunidades.
Ele destacou ainda a importância de abordagens de ciência cidadã, que empoderam as comunidades na coleta e análise de dados e citou exemplos de países lusófonos.
Ciência cidadã em países de língua portuguesa
“Em Moçambique e também em Angola foi sobre a gestão dos cursos de água dos rios. Como é que as populações, utilizando técnicas como ‘Citizen Science’ essa ciência social, podem colaborar para não só a recolha dos dados, mas o tratamento dos dados e a tomada de decisões diretamente. E é um exemplo muito bem-sucedido de participação colaborativa das comunidades em soluções para a gestão das águas, por exemplo. Temos um outro exemplo e está a acontecer num projeto em Timor-Leste, onde a mesma metodologia de gestão participativa das comunidades e a ação participativa das comunidades no terreno. E isto envolve também capacitação, como é óbvio, mas para a gestão da qualidade do ar ambiental.”
Caldas vê com otimismo as tecnologias generativas de inteligência artificial, devido a sua capacidade de “amalgamar dados de uma forma massiva e de criarem informação e conhecimento em cima desses dados”.
Usos benéficos da inteligência artificial
Como exemplo, Caldas citou o combate à pesca ilegal, pois a utilização de satélites permite identificar a movimentação dos barcos em qualquer zona do mundo em tempo real. Segundo ele, se forem implementados modelos de inteligência artificial sobre essas camadas de dados é possível prever e combater este tipo de crime.
Outra utilização possível diz respeito à previsão de cheias e inundações que em alguns países já chegam a sete ou 10 dias de antecedência. Para o especialista, isso melhora muito o nível de preparação e prevenção em cenário “que poderia matar a poderia tirar a vida a milhões de pessoas”.
Para ele, as novas abordagens que estão sendo adotadas pela ONU vão permitir proteger as populações e os direitos humanos de uma forma “muito mais ágil”.
*Este é o conteúdo do último Podcast ONU News antes da pausa no programa que ocorre durante a Assembleia-Geral da ONU em setembro. Nos meses seguintes as entrevistas serão retomadas com novos convidados especiais.