De turbante negro e semblante sério, Abu Bakr al-Baghdadi subiu os degraus do púlpito de uma mesquita em Mossul, no Iraque, e anunciou que o Estado Islâmico —facção terrorista que chefiava— tinha estabelecido um califado em partes do Iraque e da Síria. Era 29 de junho de 2014, e o vídeo divulgado dias depois chocou a comunidade internacional.
O EI avançava rapidamente sobre o norte iraquiano e o leste sírio, regiões com frágil presença do Estado, e se tornava um dos grupos terroristas mais bem-sucedidos da história recente. O discurso de Baghdadi foi visto como uma declaração de guerra contra o mundo todo.
Uma coalizão internacional conseguiu, em alguns anos, frear os avanços da organização e expulsar seus seguidores de suas fortalezas nos dois países. Baghdadi foi morto por um ataque aéreo americano em 2019.
Dez anos depois, o EI está enfraquecido, mas não aniquilado. Sem seu autointitulado califado, espalhou-se por outras regiões. Analistas têm se preocupado, em especial, com os braços do grupo na Ásia Central, onde tem crescido. A facção chama sua versão asiática de Estado Islâmico na Província de Khorasan, usando o nome de uma região histórica que engloba partes do que são hoje o Afeganistão e o Paquistão. Sua sigla em inglês é ISIS-K.
Foi essa divisão que reivindicou os atentados de março deste ano na Rússia, que deixaram 145 mortos. Em junho, os Estados Unidos anunciaram ter desmontado os planos de um atentado no país. “Estão criando redes de contatos e abrindo caminhos para ataques”, diz o diplomata americano Alberto Fernandez, coordenador de comunicação estratégica antiterrorismo no Departamento de Estado de 2012 a 2015.
De seu califado, no auge do EI, Baghdadi ordenou atentados em grandes cidades europeias. O mais marcante deles foi uma série de ataques em vários pontos turísticos de Paris, em novembro de 2015. Os terroristas do EI mataram 131 pessoas. Em menor escala, Bélgica, Alemanha e Reino Unido também foram alvos.
Um dos trunfos da organização, naquele período, foi o uso das redes sociais para divulgar suas ações. Seus membros chegaram a produzir revistas e vídeos em alta qualidade como forma de publicidade. Traduziram seu conteúdo para diversas línguas, atingindo grandes públicos fora do mundo árabe. Foi nesse contexto que homens armados filmaram a decapitação do jornalista americano James Foley, um dos momentos mais dramáticos do terror imposto pelo EI . “Eles foram revolucionários nesse sentido”, afirma Fernandez.
Essas peças de propaganda foram essenciais para a radicalização de jovens muçulmanos ao redor do mundo, que decidiram viajar até a Síria e o Iraque para se unir ao Estado Islâmico na sua guerra apocalíptica. Foi o caso do brasileiro Kayke Luan Ribeiro Guimarães, detido em dezembro de 2014 na fronteira entre a Bulgária e a Turquia. Guimarães foi mais tarde condenado a oito anos de prisão na Espanha, onde vivia com a família.
Outro brasileiro, Brian de Mulder, conseguiu chegar à Síria e ganhou fama entre terroristas com o codinome Abu Qassem Brazili (Abu Qassem Brasileiro, em árabe). Mulder morreu em combate em 2015.
Por algum tempo, a propaganda do EI circulou em plataformas como o antigo Twitter e o YouTube. Organizações de combate ao terrorismo conseguiram, com os anos, eliminar o conteúdo. O problema, diz Fernandez, é que esse material continua disponível na chamada deep web. “Jovens ainda encontram esses vídeos e se radicalizam.”
O EI busca recrutar, em especial, aqueles que se sentem esquecidos ou escanteados pelo Ocidente. Também estão no alvo aqueles que creem numa disputa religiosa entre muçulmanos e cristãos. “Circula essa ideia de que o Estado Islâmico está acabado”, afirma Fernandez. “Podemos nos surpreender mais uma vez, como fomos em 2014.”