No 14º andar do quartel-general militar israelense em Tel Aviv, no gabinete do ministro da Defesa, uma grande pirâmide decora a parede composta por imagens dos altos escalões do Hamas. O título: “Status dos assassinatos de líderes”.
Após cinco meses de conflito violento em Gaza, os que ainda estão vivos superam em muito os comandantes de médio escalão, cujo destino é ilustrado por um X vermelho gigante em seus rostos.
No topo –e ainda definitivamente em atividade– estão Yahya Sinwar, Mohammed Deif e alguns outros líderes responsáveis pelo devastador ataque do Hamas em 7 de outubro, que matou 1.200 pessoas e desencadeou a guerra.
Os X na pirâmide estão se espalhando gradualmente assim na mesma medida em que as opções de combate do Hamas parecem estar diminuindo. Israel tenta confirmar as informações de que Marwan Issa, o número três do Hamas em Gaza, conhecido como “o homem das sombras”, foi morto em um ataque aéreo no fim de semana.
Além disso, o quase-Estado em Gaza que o Hamas costumava governar está destruído, suas forças estão dizimadas e a população do território está sofrendo uma catástrofe humanitária cada vez mais profunda.
Israel ainda não conseguiu atingir todos os seus objetivos na guerra. Mas para o Hamas, um grupo terrorista fundado para destruir o Estado judeu, a vitória agora se reduziu em grande parte a uma coisa: sobrevivência.
“Vamos supor que toda a Faixa de Gaza esteja em ruínas e que alguém do Hamas, um soldado ferido, levante uma bandeira do Hamas —eles venceram a guerra”, disse Micha Kobi, ex-funcionário aposentado da agência de segurança Shin Bet de Israel. “É nisso que eles acreditam.”
Esse também é o desafio para o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, que tem prometido repetidamente eliminar o Hamas. Enquanto os principais líderes e combatentes do grupo continuarem soltos, o premiê não conseguirá atingir seu objetivo de “vitória total” e correrá o risco de ser visto como um fracasso por muitos em Israel.
Isso ressalta o desafio que os Estados Unidos, o Qatar e o Egito enfrentam enquanto lutam para negociar um acordo que interrompa os combates e garanta a libertação de mais de 130 reféns israelenses ainda mantidos em Gaza.
O Hamas insiste que qualquer acordo deve terminar com um cessar-fogo permanente e com a retirada das tropas israelenses da Faixa, medidas que poderiam fornecer ao grupo prejudicado uma tábua de salvação, já que ele enfrenta sua mais grave ameaça.
No entanto, Netanyahu tem rejeitado repetidamente essas exigências, insistindo que Israel apenas interromperia sua ofensiva para libertar os reféns. Depois disso, renovaria sua perseguição implacável a Sinwar e à liderança do Hamas, custe o que custar em Gaza.
Desde suas raízes humildes nas favelas e mesquitas de Gaza na década de 1980, o Hamas passou por um aumento constante de poder e proeminência —na década de 1990 como um grupo que se opunha violentamente ao processo de paz israelense-palestino e, mais recentemente, como governante incontestável da Faixa de Gaza.
Há poucos questionamentos, entretanto, de que após meses de bombardeio aéreo, terrestre e marítimo, o quadro geral do Hamas é preocupante, segundo analistas palestinos, autoridades de segurança israelenses e diplomatas da região.
É notoriamente difícil estimar força do Hamas. Mas, segundo avaliações da inteligência israelense, mais de 18 dos 24 batalhões do grupo terrorista foram desmantelados, e cerca de metade de seus 40 mil combatentes foram mortos ou feridos. Os membros ativos do Hamas se transformaram em pequenas células guerrilheiras, que surgem para disparar granadas propelidas por foguetes ou implantar dispositivos explosivos.
A facção, por sua vez, afirmou ter perdido apenas 6.000 membros. Quaisquer que sejam os números, os analistas de inteligência dos EUA preveem que o Hamas poderá continuar com uma “resistência armada persistente por muitos anos”, usando sua rede de túneis subterrâneos para “se esconder, recuperar forças e surpreender as forças israelenses”.
“O Hamas ainda existe militarmente? Sim”, disse uma autoridade militar israelense. “Ele está organizado? Não. O caminho para desmantelá-lo completamente continua.”
O controle civil do grupo sobre o norte de Gaza e grande parte do sul certamente foi prejudicado. O número de gangues armadas está aumentando, enquanto a lei e a ordem foram quebradas na devastada Faixa de Gaza, onde mais de 31 mil pessoas foram mortas e 80% dos 2,3 milhões de habitantes da região foram forçados a deixar suas casas desde que Israel lançou sua ofensiva, segundo as autoridades de saúde palestinas.
De acordo com um oficial militar sênior israelense, a maior parte dos batalhões remanescentes do Hamas recuou para a cidade de Rafah, ao sul, e para os campos de refugiados de Deir al Balah e Nuseirat, na região central de Gaza.
Israel tem dito repetidamente que planeja expandir sua ofensiva para Rafah, apesar dos alertas internacionais de que isso teria um impacto desastroso sobre as 1,5 milhão de pessoas que buscaram refúgio na cidade.
E, ainda assim, apesar de toda a devastação, as autoridades do Hamas continuam a adotar um tom desafiador em público, falando sobre a “impotência” de Israel e a “firmeza” de seus combatentes.
Ismail Haniyeh, líder político do Hamas em Doha, no Qatar, disse em um discurso televisionado no mês passado que Israel não havia conseguido nada além de “matar crianças, mulheres e idosos e causar destruição”. “Isso é o que o espera militarmente em Rafah”, advertiu ele.
Alguns analistas acreditam que a insistência do Hamas em um cessar-fogo permanente como parte de um acordo de reféns é um sinal da situação desesperadora em que o grupo se encontra.
“Não se trata de ajudar os civis [em Gaza], mas de dificultar a retomada da guerra [por parte de Israel]”, disse Ibrahim Dalalsha, diretor do Horizon Center, um think-tank com sede em Ramallah.
Por esse motivo, dizem os diplomatas e analistas regionais, o Hamas não quer nada menos do que uma retirada israelense total, o retorno de mais de 1 milhão de pessoas deslocadas para o norte de Gaza e a entrada em massa de ajuda e abrigos semipermanentes.
Com os dois lados jogando duro, os líderes do Hamas em Gaza estão cientes de que sua única “apólice de seguro” e vantagem nas negociações são os reféns, disse Dalalsha.
É por isso que eles “se tornaram quase suicidas em relação às negociações, com essa posição maximalista”, afirma ele. “Sabem que, se a guerra recomeçar e eles libertarem os reféns, estarão acabados.”
Até mesmo o Hamas pode estar se dando conta de que seus 17 anos como poder governante de Gaza podem ter chegado ao fim. Segundo várias pessoas familiarizadas com a diplomacia da região, as autoridades do Hamas já se envolveram em negociações para permitir que a Autoridade Palestina, sediada na Cisjordânia, reafirme o controle sobre Gaza por meio de um “comitê de liderança ad hoc” ou de um governo tecnocrático.
A sobrevivência, segundo analistas, talvez só seja possível para o Hamas se voltar às suas raízes primitivas: um movimento de resistência com uma ala terrorista clandestina e uma rede de serviços sociais religiosos.
“O Hamas perdeu a governança em Gaza, mas ainda está buscando a sobrevivência política como organização”, disse Dalalsha. “Eles não são idiotas. Eles veem as necessidades de Gaza e percebem que o público e a comunidade internacional não os aceitarão novamente.”