A atual situação da seleção brasileira é um prato cheio para quem acredita em superstição, para quem olha para trás e faz aquela comparação otimista, para quem acredita que o pior, no final, pode resultar no melhor.
O percurso do Brasil rumo à Copa do Mundo de 2026, a que enfim pode dar ao país o hexacampeonato, começou desorganizado, da parte da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), e acidentado, em relação aos resultados em campo da equipe.
Soube-se em fevereiro de 2022, faltando quase dez meses para o início da Copa no Qatar, que o técnico Tite não permaneceria no comando depois do Mundial, independentemente do resultado –ele mesmo anunciou isso.
Ou seja, a partir daquele momento a CBF, presidida por Ednaldo Rodrigues, poderia, mesmo que somente nos bastidores, definir o próximo treinador da seleção canarinho.
Não o fez, ou por desinteresse, ou por desleixo, ou por incapacidade, ou por seja lá qual motivo. Postergou, e deu no que deu, na indefinição que tem sido mal digerida faz meses.
Em algum momento, a CBF fixou a ideia de que o técnico do Brasil na próxima Copa (que será nos EUA, no Canadá e no México) tem que ser o italiano Carlo Ancelotti, 64.
O problema? Ancelotti está empregado. Tem contrato com o Real Madrid, um dos maiores clubes do mundo, até junho de 2024 e afirmou várias vezes que irá cumpri-lo.
Dias atrás, veio esta notícia: a CBF tem um acordo verbal com o italiano quatro vezes ganhador da Champions League e ele começará a dirigir a seleção brasileira na metade de 2024.
Acordo verbal, ainda mais nos dias de hoje, não significa nada. Qualquer lado, especialmente o de lá, que mostra-se ser o menos interessado, pode desistir a qualquer momento. Tem que ter assinatura de contrato, botar no papel, ter testemunhas, registrar em cartório etc. etc. etc., para que haja uma certeza.
Supondo que o acerto se concretize, Ancelotti, caso consiga liberação do Real antes do fim de junho (não este, o seguinte), pode iniciar sua trajetória com o Brasil na Copa América dos EUA, que começa no dia 20 de junho do ano vindouro.
Naquele momento, as Eliminatórias sul-americanas para a Copa do Mundo já terão seis rodadas realizadas, ou um terço do total –o Brasil terá jogado contra Bolívia, Peru, Venezuela, Uruguai, Colômbia e Argentina. Estará bem na tabela? Se não estiver, Ancelotti vai encarar a bucha?
E com qual treinador o Brasil irá para essas seis partidas? Meu palpite é que com o interino (e haja tempo de interinidade) Ramon Menezes, o efetivo da seleção sub-20 que esteve à frente da principal em três amistosos, acumulando duas derrotas (2 a 1 para o Marrocos e 4 a 2 para o Senegal) e uma vitória (4 a 1 sobre a Guiné).
Ramon ficará porque que outro técnico aceitaria dirigir o time sabendo que será um tapa-buraco até a chegada do figurão europeu? Nenhum de ponta, certamente. A CBF teria de recorrer a um mediano ou a um desempregado, que toparia para ter no currículo a passagem pela seleção, além de um salário polpudo.
Falando em salário, o custo Ancelotti é altíssimo, já que ele recebe em torno de R$ 4,5 milhões mensais na Espanha. Tite ganhava cerca de R$ 1,5 milhão. A CBF tem dinheiro para bancar –em seu último balanço registrou superávit de R$ 143 milhões–, mas é uma bordoada financeira.
Mas mesmo com toda essa bandalheira organizacional, aliada ao resultado ruim no cômputo geral dos amistosos, é bem capaz de daqui a três anos e um mês estejamos celebrando o hexa.
Os percursos dos dois mais recentes títulos do Brasil em Copas do Mundo foram turbulentos, como parece que este se encaminha para ser.
Antes da Copa de 1994, nos EUA, cuja taça veio depois de vitória dos pênaltis diante da Itália, a seleção passou por mudança de treinador. Começou com Paulo Roberto Falcão, que saiu depois de não vencer a Copa América de 1991 e passou a prancheta para Carlos Alberto Parreira.
O Brasil perdeu pela primeira vez na história um jogo de Eliminatórias (2 a 0 para Bolívia) e chegou à rodada final com risco de não se classificar para o Mundial. Fez 2 a 0 no Uruguai em 1993 e avançou. Foi, no ano seguinte, tetra.
O caminho para o triunfo na Copa da Coreia/Japão, em 2002 (2 a 0 na Alemanha na decisão), foi igualmente conturbado. O Brasil começou o ciclo com Vanderlei Luxemburgo, que caiu, passou pelas mãos de Emerson Leão, que caiu, e o concluiu com Luiz Felipe Scolari.
Como na campanha que precedeu o tetra, a seleção brasileira –com seis derrotas acumuladas e a tabela embolada– chegou à rodada decisiva das Eliminatórias sem a certeza da classificação. Fez 3 a 0 na Venezuela em 2001 e avançou. Foi, no ano seguinte, penta.
Dois cenários que indicavam para o fracasso e que, contrariando a lógica, acabaram resultando em sucesso.
Curiosamente, quando tudo parecia estar bem, tendo o Brasil terminado em primeiro lugar as Eliminatórias (para 2006, 2010, 2018 e 2022; não as disputou para 2014 porque foi o país-sede), houve naufrágio em cada uma dessas Copas.
Como nem sempre o futebol tem coerência, a desesperança pode significar, no caso da seleção, esperança. E culminar, por improvável que seja, no hexa.