Mais da metade da população menstrua, mas o assunto ainda é muitas vezes negligenciado nas políticas públicas. A avaliação é da diretora da agência das Nações Unidas para saúde sexual e reprodutiva, Mónica Ferro, que destaca como a dificuldade no acesso de itens de higiene menstrual afeta mulheres no mundo todo.
Segundo o Fundo de População da ONU, Unfpa, diariamente, a menstruação faz parte da realidade de cerca de 800 milhões de pessoas entre 15 e 49 anos. De Londres, a representante da agência falou à ONU News e apontou que o período menstrual se transforma num assunto ainda mais sensível em meio aos conflitos.
Dignidade menstrual e conflitos
“Mais de metade da humanidade menstrua. E é como diz a minha diretora executiva, a Dra. Natalia Kanem, é uma daquelas poucas fases da nossa vida em que nós temos dores, em que sangramos, e é suposto não se falar sobre o assunto. A maneira como as meninas nas escolas partilha produtos de higiene menstrual, como se fosse algo escondido, algo vergonhoso. Quando se começou a falar sobre estas questões, veio à luz do dia essa questão da pobreza menstrual. Se descobrir que não só nos conflitos e países de baixo rendimento, é um problema gravíssimo para as meninas. Uma menina do Sudão disse em um dos nossos painéis ‘às vezes tenho que escolher entre comprar pão ou comprar absorventes’. É um dilema insuperável, ela não vai deixar de ter o período dela, precisa de produtos que possam permitir viver essa experiência com dignidade e sem infecções”
Mónica Ferro explica que o estigma social da menstruação e a falta de recursos adequados podem causar graves problemas à saúde feminina, além de tirarem meninas das salas de aulas e limitarem oportunidades a mulheres adultas.
“Muitas das meninas e das mulheres, quando não têm meios para comprar os produtos de que necessitam, recorrem a estratégias, como, por exemplo, pedaços de pano velho, meias, pedaços de toalhas. Tudo isto não permite a higiene adequada e, portanto, as infecções são muitas. Há meninas que deixam de ir à escola por não ter dinheiro para comprar os materiais menstruais ou que não vão à escola porque não têm uma casa de banho onde possam fazer a sua higiene.”
Gaza, financiamento e acesso à ajuda humanitária
A higiene menstrual se soma às muitas questões que o Unfpa atende em situações de crise. Segundo a agência de saúde sexual e reprodutiva da ONU, em meados de janeiro, pouco mais de três meses após o início dos conflitos em Gaza, as necessidades de mulheres e meninas em idade fértil já era grande.
Com a dificuldade da entrada de ajuda humanitária, apenas pouco mais de 5 mil pessoas receberam kits, muito longe das mais 690 mil mulheres e meninas que precisam dos itens.
Desde o início do conflito em Gaza, os números apontam que as mulheres e as crianças têm sido o grupo mais afetado. Afirmando que “seja qual for a crise, ela sempre tem o rosto de uma mulher”, Mónica lembra que a cada vez que o orçamento para respostas humanitárias é cortado, são elas as mais afetadas.
Ela alerta que, além da higiene menstrual, os conflitos privam muitas gestantes de nutrição fundamental e serviços. A diretora do Unfpa ainda destaca que a violência sexual nos conflitos aumenta a vulnerabilidade das mulheres, que têm seus direitos humanos mais básicos continuamente ameaçados.
Distribuição de absorventes
A representante do Unfpa afirma que quem pensa que higiene menstrual é uma questão da apenas de situações de conflito ou de países de baixa renda se engana.
A falta de itens necessários para o período menstrual também foi debatida em nações europeias, por exemplo. Ela lembra que a Escócia foi o primeiro país a distribuir absorventes gratuitamente e levantar a consciência de que esses produtos pesam no orçamento mensal.
Entre outros países que seguiram a medida, o Brasil recentemente implementou um programa de dignidade menstrual. Segundo o governo brasileiro, a iniciativa deve “promover a conscientização sobre a naturalidade do ciclo menstrual e a oferta gratuita de absorventes higiênicos”.
O Ministério da Saúde quer garantir a distribuição gratuita e continuada de absorventes higiênicos para cerca de 24 milhões de pessoas beneficiadas, que estão entre 10 e 49 anos, e que não têm acesso aos itens durante o ciclo menstrual.
Em 2021, um levantamento do Unfpa e Unicef apontava que 713 mil meninas viviam sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões estavam desprovidas de itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.