Quando o soco, a cadeirada e o insulto tomam o lugar das propostas, o que sobra para o eleitor? Nesta campanha para a prefeitura de São Paulo, o debate de ideias foi substituído por uma guerra de ofensas, onde o circo de ataques pessoais e a violência explícita dominam as manchetes.
E nós, como espectadores, alimentamos essa espiral de degradação. Se isso já parece um desastre nas eleições municipais, o que podemos esperar das próximas eleições presidenciais, daqui a dois anos? Estamos criando, sem perceber, o tubo de ensaio para a pior campanha presidencial da história recente do Brasil?
O que começou como uma eleição municipal se transformou em algo que vai muito além das fronteiras de São Paulo. Assistimos, atônitos, a um espetáculo de humilhações e ataques pessoais, onde o confronto de ideias —o verdadeiro coração da democracia— foi esquecido. As cenas grotescas de socos e cadeiradas já indicam que o limite foi ultrapassado. Hoje, a política de ataques não é um acidente, mas uma estratégia deliberada. O que está sendo testado aqui, em São Paulo, pode muito bem ser a prévia de algo muito maior: a deterioração total do ambiente político para as eleições presidenciais de 2026.
O que será tolerado em 2026, se hoje já aceitamos esse nível de violência e degradação? Mais agressões físicas? Uma escalada nos ataques pessoais? O cancelamento sistemático de adversários? Estamos pavimentando o caminho para o cancelamento da própria democracia?
O processo eleitoral, em essência, deveria ser um confronto saudável de ideias e propostas, mas a cada insulto transformado em manchete, a cada enxovalho que toma o lugar de uma discussão séria, a democracia se fragiliza. E o que será de nós quando a sociedade se cansar desse espetáculo de horrores?
Este é o risco real: que as eleições, o momento mais importante da democracia, transformem-se em um ato de repulsa coletiva. Se continuarmos assistindo passivamente a esse show de degradação, a participação política, que deveria ser motivo de orgulho e envolvimento, pode se transformar em algo que as pessoas simplesmente desprezem.
A campanha de Marçal exemplifica isso com clareza. Seu desejo não é debater, mas provocar; não é propor soluções para os problemas da cidade, mas arrastar a política para o terreno das agressões e humilhações. E o pior é que isso encontra eco. Quanto mais visibilidade ele ganha, seu discurso se torna mais radical e mais destrutivo para o processo democrático. E o problema não é apenas ele, mas o fato de que a mídia e a sociedade, de maneira geral, continuam a gostar de ver.
O cenário que se desenha para as eleições presidenciais é de uma campanha onde os insultos, o ódio e o conflito vão predominar. Estamos, sem perceber, pavimentando o caminho para que 2026 seja lembrado como o ano em que a violência simbólica e física se consolidou como a norma no processo eleitoral brasileiro. E isso não é apenas uma ameaça ao decoro ou à civilidade, mas à própria democracia.
A liberdade de expressão é um pilar fundamental da civilização que construímos e sem ela não teríamos chegado onde estamos. Mas, como o peixe que morre pela boca, estamos nos aproximando perigosamente do ponto onde falar demais, sem responsabilidade, pode nos levar ao abismo.
A liberdade de expressão não é, e nunca foi, um passe livre para o caos. Se não soubermos impor limites, se não soubermos quando o silêncio pode ser mais eficaz do que o barulho, estaremos abrindo as portas para algo muito mais sombrio.
A cada agressão publicizada, a cada insulto debatido, estamos um passo mais próximos de transformar o que deveria ser uma celebração do poder popular em um espetáculo de repulsa.
É verdade que o silêncio é, muitas vezes, contrário ao espírito da democracia, mas há momentos em que ele se torna necessário. O silêncio, neste caso, não é inação, mas uma forma de resistência. O futuro da nossa democracia também depende do que estamos dispostos a tolerar hoje.
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