De Sharknado a Crepúsculo: por que gostamos tanto de filmes e séries ruins? – EERBONUS
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De Sharknado a Crepúsculo: por que gostamos tanto de filmes e séries ruins?

O que define filmes ou séries ruins? A trama de um vampiro que brilha no sol? A história de um grupo de amigos adolescentes riquinhos de Nova Iorque vivendo problemas de ricos? Um reality em que os participantes aceitam se casar às cegas?

Ainda que Crepúsculo, Gossip Girl e Casamento às Cegas frequentemente sejam classificados como produções ruins por muita gente, todas contam com uma boa base de fãs para chamar de sua (inclusive, vou acrescentar que, apesar do título, a autora deste texto continua fã assídua de Edward Cullen em 2024).

A verdade é que a esse ponto, todo mundo já sabe que o veredito sobre uma produção ser ruim ou não é algo bastante individual e subjetivo. Afinal, gosto é gosto. Mas, no fundo, todos nós gostamos de algo peculiar ou temos os famosos guilty pleasures (“prazer com culpa”, em tradução livre).

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Sim, aquela produção que é bastante criticada por todo mundo (tanto pela crítica quanto pelo público) e que, mesmo assim, você continua dando play no auge de uma sexta-feira à noite. Mas você já parou para se perguntar por que gostamos tanto de filmes, séries e reality shows de qualidade duvidosa?

Filmes ruins são cult?

O filme The Room é um bom exemplo para começar. O longa de 2003 foi estrelado, escrito, produzido e dirigido por Tommy Wiseau, que desembolsou U$ 6 milhões do próprio bolso para fazer o filme.

A trama é basicamente uma comédia romântica em que o banqueiro Johnny desconfia que sua noiva Lisa esteja tendo um caso com o seu melhor amigo bonitão Mark. Apesar dos U$ 6 milhões de orçamento, o filme independente foi detonado pela crítica e não alcançou nem U$ 5 milhões de bilheteria.

Com diálogos risíveis, atuações piores ainda e seus vários erros de continuidade, The Room rapidamente virou motivo de piada e passou a marcar presença em listas de piores filmes da história. No YouTube, são vários os vídeos que reúnem as cenas mais vergonhosas da produção.

Mesmo com as numerosas cenas dignas de vergonha alheia, atualmente The Room passou a ser considerado um filme cult. Isso mesmo, após mais de vinte anos do seu lançamento, o longa ainda é exibido com certa frequência em cinemas selecionados dos Estados Unidos e rendeu até o livro The Disaster Artist, escrito por Greg Sestero (o Mark do filme), que conta mais sobre os bastidores.

O livro, por sua vez, ganhou uma adaptação estrelada e dirigida por James Franco – e a ironia aqui é que o filme foi indicado na categoria de Melhor Roteiro Adaptado ao Oscar.

O mesmo movimento de transformar produções originalmente criticadas em produções cult aconteceu com The Rocky Horror Picture Show e A Coisa, por exemplo.

É tão ruim que fica bom

Indo bem mais além de Crepúsculo e Casamento às Cegas, temos os filmes trash, caracterizados principalmente pelo baixo orçamento e consequente falta de qualidade técnica. Alguns famosos dessa categoria estão Sharknado (2013), O Ataque dos Tomates Assassinos (1978) e The VelociPastor (2017).

Com histórias absurdas e técnica questionável, esses e outros longas “lixo” têm um espaço no coração de vários cinéfilos.

Em conversa com uma amiga super fã de filmes trash, por exemplo, aproveitei para questionar qual a ‘graça’ desse tipo de produção. Segundo ela, “os filmes trash têm roteiros mirabolantes, que fogem da fórmula padrão das produções mainstream atuais“. Ela ressaltou que adora dar risada dos efeitos especiais ruins.

Sharknado Sharknado é um clássico do cinema trash

Bom, um artigo intitulado Enjoying Trash Films (Desfrutando de filmes ruins, no português) publicado na revista Poetics em 2016 estudou o fenômeno dos filmes ruins e traz uma conclusão (ou início de debate?) interessante.

A equipe liderada por Keyvan Sarkhosh fez uma descoberta que chegou até a viralizar na época: quem mais assiste filmes ruins com consciência disso são pessoas que costumam ter alto nível educacional e que são consumidores de cultura de uma forma geral.

Ou seja, muitas vezes são espectadores interessados não apenas no que é bom de verdade ou em grandes bilheterias, mas também em conhecer a produção do cinema como expressão cultural (mesmo que isso signifique assistir obras que são repletas de bizarrices mal-feitas). “Para esses telespectadores, os filmes trash aparecem como um desvio interessante e bem-vindo do catálogo mainstream” disse Sarkhosh.

O estudo também ressalta que os próprios amantes de cinema podem ver nos filmes trash uma forma de “relaxamento”, já que os cinéfilos geralmente estão sempre analisando aspectos como diálogos, atuações, fotografia e roteiro.

O artigo So Bad It’s Good (Tão ruim que é bom) publicado em novembro do ano passado no Journal of Consumer Psychology endossou a teoria. Os pesquisadores da Universidade do Colorado fizeram 12 testes com diferentes pessoas para entender o que elas sentiam quando expostas a produções de qualidade B, incluindo filmes e programas de TV.

A conclusão da equipe foi que essas produções consideradas ruins podem oferecer coisas que as boas não conseguem: não exigem muita atenção do espectador e ainda oferecem risadas, drama, suspense sem estresse e sustos.

“Existem algumas qualidades e virtudes que a pior opção do catálogo tem e a melhor não. É mais provável que o pior filme seja engraçado, absurdo e ridículo”, disse Amit Bhattacharjee, coautor do estudo.

Senso de comunidade

Já o pesquisador, filósofo e cinéfilo Matthew Strohl, autor do livro Why It’s OK to Love Bad Movies (Porque não tem problema amar filmes ruins), defende que as produções ruins transgridem normas e padrões do cinema e, por isso, podem abrir portas para os espectadores consumirem narrativas surrealistas e absurdas de maneiras que filmes convencionalmente bons não fazem.

Além disso, o pesquisador ressalta que entre os encantos mais poderosos do “cinema de merda” está o senso de comunidade que vem junto dele. Isso porque os filmes ruins podem incentivar o engajamento do público.

“Filmes ruins servem como base para uma variedade de relacionamentos sociais, incluindo amizades pessoais, bem como participação em comunidades maiores”, comenta o autor no livro.

Uma prova bem concreta disso são as várias sessões de The Room em salas de cinemas nos Estados Unidos todos os anos. Nas exibições, os fãs têm rituais próprios (como jogar colheres na tela em uma cena específica), piadas internas envolvendo o filme e, principalmente, sempre podem trocar ideia sobre um detalhe que havia passado despercebido.

E o mesmo pode acontecer com aquele filme ou série ruins que você assiste quase escondido atualmente. Se em 2024, é alvo de críticas dolorosas, em algum momento no futuro pode virar mais um filme cult adorado por fãs fiéis.

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