Como era esperado, a Comissão Eleitoral Central da Rússia barrou o único postulante a presidente abertamente crítico de Vladimir Putin de disputar o pleito de março, o ex-deputado liberal Boris Nadejdin.
“O número de assinaturas eleitorais confiáveis e válidas enviadas em apoio a Nadejzdin é de 95.587, o que não é suficiente para registro”, anunciou um dos membros do órgão, Andrei Chutov, segundo a agência Tass, em uma sessão à qual o pré-candidato compareceu em Moscou.
Pela lei russa, são necessárias 100 mil declarações de apoio recolhidas em todo país. Nadejdin diz ter angariado 200 mil assinaturas, das quais 105 mil foram protocoladas após checagens para evitar justamente a alegação de irregularidades técnicas. “As regras foram cumpridas”, disse o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov. A eleição ocorre de 15 a 17 do mês que vem.
O ex-deputado disse que vai recorrer à Suprema Corte da Rússia, mas o bloqueio à sua postulação é dado como certo desde que ele passou a adotar, nas últimas semanas, um figurino de crítico direto da gestão de Putin, no poder desde 1999 e que vai disputar a Presidência pela quinta vez, naquilo que é visto como uma mera formalidade em relação ao resultado do pleito.
No centro de suas críticas, a invasão russa da Ucrânia, que completará dois anos no próximo dia 24. Nadejdin considera a guerra desastrosa e quer uma reconciliação não só com o vizinho, mas com o Ocidente que apoia Kiev em sua resistência.
Além disso, ele se posicionou contra bandeiras da administração Putin, como leis restritivas para a comunidade LGBTQIA+. Nos últimos anos, o presidente recrudesceu sua posição e entronizou na Constituição a defesa a sua visão acerca de família e valores russos.
Nessa mesma mudança da Carta, ocorrida em 2020, Putin mexeu nas regras eleitorais, o que na prática zerou o jogo e permitiu que ele concorresse novamente a mais um mandato de seis anos, com possibilidade de reeleição em 2030. Ou seja, se estiver vivo, poderá sair do Kremlin só em 2036, com 83 anos.
Nadjedin tinha um histórico de proximidade ambígua com o Kremlin, tendo sido associado tanto ao crítico Boris Nemtsov, que acabou rompendo com Putin e foi assassinado em 2015, quando ao ex-premiê Serguei Kirienko, que segue na administração.
Isso levantou dúvidas sobre sua sinceridade como candidato, mas ele surpreendeu analistas ao levantar bandeiras abertamente contrárias a Putin, ainda que não tenha feito ataques pessoais ao presidente até aqui.
No jogo eleitoral russo, opositores são tolerados dentro do sistema partidário, mas com uma margem mínima de dissenso. Isso piorou muito com as leis de censura militar devido à guerra, que podem dar até 15 anos de cadeia para quem divulgar o que um juiz considerar fake news contra as Forças Armadas, por exemplo.
Como Nadejdin era um frequentador assíduo dos programas de debate usuais da TV estatal, parecia jogar dentro das regras. Isso mudou com a visibilidade de suas críticas, que o transformaram num possível depositário de votos contra Putin —que deve ser reeleito e em 2028, se estiver no cargo, ultrapassará Josef Stálin como líder mais longevo da Rússia moderna.
Na única pesquisa independente que incluiu o seu nome, feita em janeiro pelo instituto Campo Russo, ele ocupava sozinho a vice-liderança na disputa, com 7,8%. Putin, que tem popularidade acima dos 80%, estava à frente com 62,2%.
A ex-jornalista Iekaterina Duntsova, també contrária à guerra, teve sua candidatura indeferida em novembro. Sem ela e Nadejdin, a eleição terá na cédula Putin, que concorre como independente, Nikolai Kharitonov (Partido Comunista), o nacionalista Leonid Slutski (Partido Liberal Democrata) e o liberal Vladislav Davankok (Novo Povo).