A China tem atrações turísticas incríveis, mas há um lugar que não recomendo nem a um inimigo —o Memorial das Vítimas do Massacre de Nanjing. Localizado na cidade de mesmo nome, o complexo criado em 1985 serve para lembrar aos visitantes um dos capítulos mais violentos da história do país.
Em dezembro de 1937, tropas japonesas invadiram Nanjing e cometeram crimes terríveis. Depoimentos (muitos deles preservados neste museu) relatam, por exemplo, como os militares metralharam civis por diversão, queimaram crianças vivas, empalaram homens idosos, estupraram e abriram a barriga de mulheres grávidas com facões e baionetas.
Até hoje não se sabe o número exato de vítimas (as estimativas variam entre 40 mil e 200 mil), mas a despeito do horror de tais atos, ele é só mais um capítulo da longeva e brutal invasão japonesa ao território chinês, só encerrada após a derrota de Tóquio na Segunda Guerra Mundial.
O Japão pós-guerra adotou caminho contrário ao da Alemanha e investiu no negacionismo. Tóquio apagou registros das atrocidades de livros escolares, políticos contestam publicamente a história e, volta e meia, algum se deixa fotografar visitando túmulos de criminosos de guerra.
Mas a China jamais esqueceu. O povo chinês estuda em detalhes os crimes do país vizinho, e, ciente da capacidade de mobilização que o ressentimento desperta, Pequim por várias vezes recorreu à memória para incitar o nacionalismo de seus cidadãos.
A estratégia funcionou por muitos anos, em parte porque o Japão segue se recusando a admitir culpa ou a falar em reparação às vítimas. Campanhas antijaponesas serviram para pressionar empresas, culpabilizar o vizinho por problemas econômicos ou diplomáticos e criar factoides que desviassem a atenção de crises domésticas. Mas há sinais de que o Partido Comunista começa a pisar no freio, sentindo que talvez a propaganda tenha saído de controle.
Chineses costumam reagir fortemente contra aproximações sino-japonesas, colocando interesses nacionais em jogo. O diálogo entre China, Coreia do Sul e Japão em maio, por exemplo, essencial para conter a aproximação de ambos os países com os Estados Unidos, foi amplamente censurado nas redes sociais dada a irritação dos internautas. Agora, o ódio parece ter chegado às ruas.
Na última quarta-feira (18), aniversário de 93 anos do Incidente de Mukden, que marcou o início da guerra entre os dois países, um homem de 44 anos matou a facadas um menino japonês a caminho da escola em Shenzhen. Foi o segundo ataque do tipo neste ano —em junho, um homem atacou um ônibus escolar japonês em Suzhou.
O episódio fará mais que apenas manchar a imagem chinesa no noticiário. A depender da resposta oficial, pode também contribuir para afastar ainda mais dois países essenciais à estabilidade regional, atrasando um processo de normalização diplomática.
Esquecer crimes de guerra não é simples e os chineses não estão sozinhos —o Japão também é culpado por toda sorte de barbaridades em outros cantos da Ásia e ainda preserva a fama de brutalidade, hoje esquecida no Ocidente. Mas será preciso dar passos rumo a este objetivo, sob pena de ver mais sangue derramado em torno de uma ferida que ainda não cicatrizou.
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