É um grande fracasso, impossível não tratar assim, a queda da seleção feminina na fase de grupos da Copa do Mundo.
Como declarou a craque Marta, 37, logo depois do 0 a 0 com a inexpressiva Jamaica, nem nos piores pesadelos ela imaginava uma eliminação tão cedo em seu derradeiro Mundial.
Afinal, apenas duas vezes nas oito edições anteriores da competição, em 1991 e em 1995 (na primeira e na segunda Copa), o Brasil não atingiu os mata-matas.
Neste momento é muito fácil criticar a treinadora Pia Sundhage e as jogadoras, e infelizmente a maneira como a seleção atuou torna as críticas realmente fáceis de serem feitas.
É necessário ponderar seriamente a respeito dos motivos de um time infinitamente superior ter dificuldade tamanha para furar uma retranca.
Dirá o leitor: ora, justamente por o oponente jogar com todo mundo atrás existe essa enorme dificuldade. Correto.
Porém é da alçada da comissão técnica criar estratégias que permitam à equipe, no caso a seleção brasileira, superar essa adversidade. Isso pode ser atingido por meio de variações táticas.
E o que não se viu na terceira apresentação do Brasil na Copa foi um time que minimamente oferecesse perigo real às jamaicanas, taticamente.
O Brasil, mal escalado e mal organizado, parecia estar em um rachão.
Pia escolheu Marta, que até então vinha sendo reserva, para jogar ao lado de Debinha no ataque, formando uma dupla de baixa estatura (1,63 m e 1,58 m). Possivelmente para tentar suplantar a defesa da Jamaica com troca de passes rasteiros, com tabelas, com triangulações.
Não deu certo. Como visto no jogo diante da França, as brasileiras tiveram enorme dificuldade para acertar passes curtos –e os longos também.
Sabe-se que Marta oferece seu melhor, devido à habilidade, quando recebe a bola com tempo e espaço para fazer uma jogada individual. Tinha que atuar mais lateralizada, combinar jogadas com as laterais Tamires (esquerda) e Antônia (direita).
Não aconteceu. Seguidamente, na partida em Melbourne, a camisa 10 e capitã do Brasil era acionada (quando o passe não era errado) de costas para o gol, com uma ou duas marcadoras no seu cangote. Resultado: perdia a bola ou não dava a continuidade esperada ao lance.
No primeiro tempo, e isso agravou-se no segundo, o que se notou foi um Brasil sem criatividade e sem entrosamento. Parecia que as jogadoras tinham acabado de se conhecer, que jamais tinham feito um treino juntas, tamanha a falta de sintonia. Um inexplicável catadão.
Ok, há dias em que a inspiração está em baixa. Nesse caso, muda-se a estratégia, mudam-se as jogadoras, e recorre-se a um elemento que no futebol, muitas vezes, funciona: a raça.
A gélida Pia, bicampeã olímpica com os EUA (2008 e 2012), decepcionou nesses dois quesitos.
Primeiro, na tática. Depois de assistir a um Brasil pouco operante no primeiro tempo, fez uma única mudança para o segundo: a atacante Bia Zaneratto no lugar da meia Ary Borges.
Não compreensível. Ary, artilheira da seleção no Mundial (três gols marcados contra o Panamá, na estreia), era a menos ruim do meio para a frente, e quase fez um gol de cabeça. Estavam piores do que ela Adriana, Kerolin, Debinha, Marta.
Na segunda etapa, nada de o Brasil melhorar –aliás, piorou–, nada de tentar, já que por baixo nada funcionava, jogadas pelo alto com Bia Zaneratto (de 1,76 m).
Chutes de fora da área, outra alternativa contra defesas muito fechadas, quase inexistiram (só 4 das 17 tentativas).
Novas substituições, a fim de buscar dar à equipe uma nova dinâmica, só ocorreram a dez minutos do fim do tempo regulamentar, quando o time já entrava em “modo desespero”.
Segundo, na raça. Calada o tempo todo –a sueca tem essa personalidade mais fechada mesmo–, Pia não passou motivação para as atletas.
Todo treinador está ao lado do gramado para isso, para dar ímpeto à equipe: se não dá para vencer na técnica, que seja no físico, no esforço, na disposição.
Não se verificou no semblante das brasileiras aquela vontade de ganhar a todo custo, o afã de “colocar o coração na ponta da chuteira”. Nem parecia jogo de Copa do Mundo, mas um reles amistoso. (Debinha, em três ocasiões, quis “enfeitar” com passes de calcanhar no segundo tempo; nada menos oportuno…)
E quando se fala em raça a responsabilidade de exprimi-la é mais de quem está em campo do que de quem orienta. Raça vem de dentro, e brasileiros e brasileiras costumam ter tanta!, e ela foi zero na partida da eliminação.
A menos de um ano das Olimpíadas de Paris, a hora é de reflexão.
Marta disse haver renovação na seleção, frisou esse ponto como positivo, porém não há renovação que resolva sem um plano de jogo eficaz e intenso espírito de luta.