As nações reunidas na 28ª Cúpula do Clima da ONU, COP28, em Dubai, aprovaram nesta quarta-feira um roteiro para a “transição dos combustíveis fósseis”, a primeira vez que isso ocorre neste tipo de conferência.
No entanto, o acordo ainda não atende aos repetidos apelos por uma “eliminação progressiva” do petróleo, carvão e gás.
Anos de bloqueio
Reagindo à adoção do documento final, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a menção ao principal fator causador das alterações climáticas surge após muitos anos de bloqueios da discussão desta questão.
Ele enfatizou que a era dos combustíveis fósseis deve terminar com justiça e equidade.
Para aqueles que se opuseram a uma referência clara à eliminação progressiva dessa fonte de emissão de gases do efeito estufa no texto da COP28, Guterres disse que “a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é inevitável, gostem ou não. Esperemos que não chegue tarde demais”, acrescentou ele.
A COP28 estava programada para terminar na terça-feira, mas intensas negociações durante a noite sobre se o resultado incluiria um apelo à “redução gradual” ou “eliminação gradual” do aquecimento do planeta por meio da exploração de petróleo, gás e carvão forçou a extensão da conferência.
Este foi o principal ponto de conflito que coloca ativistas e países vulneráveis e oposição a nações mais desenvolvidas.
“A ciência é clara”
Em sua declaração, Guterres disse que a ciência é clara: limitar o aquecimento global a 1,5°C, uma das metas fundamentais estabelecidas no marco histórico do Acordo de Paris de 2015, “será impossível sem a eliminação gradual de todos os combustíveis fósseis”. Para ele, isto está sendo reconhecido por uma coalizão crescente e diversificada de países.
Os negociadores da COP28 também concordaram em compromissos para triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, além de terem realizado progressos em relação à adaptação e ao financiamento.
De acordo com o secretário-geral, os avanços incluem a operacionalização do Fundo para Perdas e Danos, embora os compromissos financeiros sejam muito limitados.
A melhor esperança da humanidade
O chefe das Nações Unidas sublinhou que é necessário muito mais para proporcionar justiça climática àqueles que estão na linha da frente da crise.
Segundo ele, “muitos países vulneráveis estão afogados em dívidas e em risco de submergirem com a subida dos mares. É hora de um aumento nas finanças, inclusive para adaptação, perdas e danos e reforma da arquitetura financeira internacional.”
Guterres afirmou que o mundo não pode permitir “atrasos, indecisão ou meias medidas” e insistiu que “o multilateralismo continua sendo a melhor esperança da humanidade”.
“Uma tábua de salvação, não uma linha de chegada”
O secretário executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, Unfccc, afirmou que a COP28 teve “progressos reais”, mas os anúncios em Dubai são “uma tábua de salvação para a ação climática, não uma linha de chegada”.
Simon Stiell disse que o Balanço Global, que visa ajudar as nações a alinhar os seus planos climáticos nacionais com o Acordo de Paris revelou que o progresso não é suficientemente rápido, mas está “inegavelmente” ganhando ritmo.
Em Dubai, Stiell afirmou que a COP28 precisava mostrar uma interrupção decisiva no principal problema climático da humanidade: os “combustíveis fósseis e a poluição que afeta o planeta”.
Segundo ele, “este acordo é um ponto de partida ambicioso, não um teto. Portanto, os próximos anos serão cruciais para continuar a aumentar a ambição e a ação climática”.
O que mais aconteceu na COP28?
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O Fundo para Perdas e Danos, concebido para apoiar os países em desenvolvimento vulneráveis ao clima, ganhou vida no primeiro dia da COP28. Os países prometeram centenas de milhões de dólares para a iniciativa.
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Foram feitos compromissos no valor de US$ 3,5 bilhões para repor os recursos do Fundo Verde para o Clima.
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Ocorreram novos anúncios totalizando mais de US$ 150 milhões para o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos e o Fundo Especial para Mudanças Climáticas.
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Um aumento anual de US$ 9 bilhões por parte do Banco Mundial para financiar projetos relacionados com o clima de 2024 a 2025.
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Quase 120 países apoiaram a Declaração sobre Clima e Saúde para acelerar ações para proteger as pessoas dos crescentes impactos climáticos.
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Mais de 130 países assinaram a Declaração COP28 sobre Agricultura, Alimentação e Clima para apoiar a segurança alimentar e, ao mesmo tempo, combater as alterações climáticas.
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O Global Cooling Pledge foi endossado por 66 países para reduzir as emissões relacionadas ao resfriamento em 68% a partir de hoje.
Próximas conferências
A próxima rodada de planos nacionais de ação climática, ou Contribuições Nacionalmente Determinadas, está prevista para 2025, momento em que se espera que os países tenham reforçado seriamente as suas ações e compromissos.
O Azerbaijão foi anunciado como anfitrião oficial da COP29, de 11 a 22 de novembro de 2024. O Brasil se ofereceu para sediar a COP30 na Amazônia em 2025.
Reações mistas
Apesar das múltiplas salvas de aplausos no plenário, nem todas as delegações ficaram satisfeitas com o resultado das negociações sobre o clima. Os representantes da sociedade civil e os ativistas climáticos, bem como as delegações dos pequenos países insulares em desenvolvimento, ficaram visivelmente descontentes com o resultado.
A representante samoana e negociadora principal da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, Anne Rasmussen, ressaltou que a decisão foi tomada durante a sua ausência na sala plenária, uma vez que o seu grupo ainda estava coordenando uma resposta ao texto.
Ela lamentou que eles não possam “se dar ao luxo de regressar às suas ilhas com a mensagem de que este processo falhou”.
Rasmussen lamentou a falta de “correção de rumo” e expressou decepção com o “avanço incremental em relação aos status quo, quando o que realmente importava era uma “mudança exponencial”.
Logo após a divulgação do documento final, o chefe de estratégia política global da Rede Internacional de Ação Climática, Harjeet Singh, disse à ONU News que a resolução “está marcada por lacunas que oferecem à indústria dos combustíveis fósseis inúmeras rotas de fuga, dependendo de tecnologias não comprovadas e inseguras”.