A ONU se tornou o palco do nascimento de uma Convenção sobre Tributação. A segunda rodada de negociações dos termos de referência deste novo instrumento internacional termina nesta sexta-feira, na sede da organização em Nova Iorque.
A codiretora do Instituto de Estudos Socioeconômicos do Brasil, Inesc, acompanhou as negociações e conversou com a ONU News sobre as expectativas da sociedade civil. Ela destacou a importância de o debate ter sido incorporado na agenda das Nações Unidas.
Reforço da carta Magna da ONU
“Nós estamos lutando há muitos anos para trazer esse debate para um espaço mais inclusivo e democrático, que é o espaço da ONU. Por isso que para a gente é extremamente importante essa convenção estar acontecendo aqui nas Nações Unidas. Primeiro, eu queria te dizer que a gente está aqui hoje muito graças à União Africana, porque nós, a sociedade civil, há muitos anos que a gente vem lutando para ter um acordo global nas Nações Unidas, mas nunca havia sido possível pela enorme resistência dos países da Ocde (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico)”.
Nathalie Beghin afirma que esta é uma convenção que visa reforçar a justiça fiscal para a realização dos direitos humanos, consagrados na carta Magna das Nações Unidas, e “enfrentar os desafios dos nossos tempos”, como as mudanças climáticas.
Ela destacou ainda a importância da cooperação internacional em tributação tendo em vista que todos os anos muitos países em desenvolvimento “perdem bilhões de dólares em evasão e elisão fiscal”.
Combate ao “abuso fiscal”
De acordo com a ativista, esse “abuso fiscal” ocorre especialmente porque empresas transnacionais e pessoas muito ricas encontram brechas legais para não pagar impostos ou atuam de forma ilegal nesse sentido. Segundo ela os “paraísos fiscais” fazem parte dessa estratégia.
“É muito difícil calcular quanto se evade, porque tudo isso é muito pouco transparente. Mas as estimativas que a sociedade civil tem é que, anualmente, em torno de meio trilhão, US$ 500 bilhões ou US$ 480 bilhões, são evadidos dos cofres públicos”.
Segundo a brasileira, que também representa a Aliança Global de Justiça Fiscal, a maior parte dos sistemas tributários no mundo são regressivos. Isso significa que “os mais pobres, proporcionalmente, pagam mais impostos que os mais ricos, em grande parte devido a esse sistema de evasão e elisão fiscal”.
Entraves na negociação
Ela defendeu a criação de sistemas mais progressivos e ressaltou que “nenhum país é capaz de fazer isso sozinho”. No entanto, ela apontou resistências que estão surgindo no processo de negociação.
“Os grandes desafios dos nossos tempos são, como você falou, as consequências das mudanças climáticas, precisamos de recurso para adaptação, a desigualdade, que está crescendo enormemente entre países e dentro dos países. Precisamos de recursos para isso. E aí temos tido muitas resistências, porque realmente os países, as elites mundiais, não querem que isso aconteça. Então, tem toda a tensão sobre direitos humanos e mudanças climáticas, estão tentando tirar isso da convenção”.
De acordo com Nathalie, um dos desafios é que os negociadores são basicamente profissionais da área de tributação, por isso eles “nem sempre estão familiarizados com a dinâmica das Nações Unidas e com os pactos já acordados”.
Taxação de grandes fortunas
A ativista explicou que um dos temas em disputa é a taxação das grandes fortunas, pois elas são praticamente isentas de impostos. Segundo ela, isso ocorre porque “são as elites que comandam os sistemas tributários globais e se organizam para que elas não sejam taxadas”.
Nathalie ressaltou que o Brasil, na condição de país que preside o G20, o grupo das 20 maiores economias mundiais, está propondo a taxação de grandes fortunas, uma posição que também se reflete nas negociações da convenção na ONU.
A codiretora do Inesc elogiou a coesão da União Africana nas negociações e afirmou que países da América Latina, como Chile, Colômbia, Brasil e Bolívia, estão atuando de forma conjunta.
Uma vez aprovados os termos de referência, eles serão encaminhados para a Assembleia Geral que pode determinar o início da negociação da Convenção no ano que vem.