Como uma resolução do Conselho de Segurança é adotada?
O Conselho de Segurança da ONU, composto por 15 Estados-membros, está encarregado de tomar medidas, através de resoluções e decisões, sobre quaisquer ameaças à paz e segurança internacionais. No entanto, muitas vezes transformar uma proposta em um documento juridicamente vinculante para os 193 Estados-membros da ONU se trona um caminho com múltiplos obstáculos.
Desde o início da guerra em Gaza em outubro de 2023, por exemplo, os integrantes do Conselho redigiram, negociaram e adotaram várias resoluções relacionadas ao conflito. Ao mesmo tempo, várias outras propostas e alterações foram rejeitadas por não terem os nove votos necessários ou foram vetadas. Esse é um privilégio disponível apenas para os cinco membros permanentes, que são China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos e que foi de fato usado.
Ocasionalmente, palavras, verbos ou adjetivos isolados podem travar o processo, à medida que as nações se esforçam para que a sua posição prevaleça. No caso de algumas propostas sobre Gaza, alguns queriam o termo “cessar-fogo”, enquanto outros queriam a “cessação dos confrontos”.
Às vezes, o Conselho não consegue concordar. Sempre que um veto é emitido por um membro permanente, um novo mecanismo introduzido pelo em 2022 aciona automaticamente o Presidente da Assembleia Geral para convocar uma reunião formal dos Estados-membros da ONU ou uma sessão especial de emergência para discutir a questão controversa.
Outro caminho veio com a resolução Unindo pela Paz, adotada em 1950, que basicamente estabelece que se o Conselho de Segurança não exercer a sua responsabilidade de manter a paz e a segurança internacionais, a Assembleia Geral poderá convocar uma sessão especial de emergência.
Até à data, foram convocadas 11 sessões especiais de emergência. A resolução Unindo pela Paz foi implementada 13 vezes entre 1951 e 2022. Ela foi invocada tanto pelo Conselho de Segurança, oito vezes, como pela Assembleia Geral, cinco vezes. Onze desses casos assumiram a forma de sessões especiais de emergência.
No entanto, o processo de elaboração de resoluções permanece praticamente inalterado desde que o Conselho adotou a sua primeira resolução em 1946 para estabelecer um comitê de funcionários militares da ONU.
Aqui você vai conhecer todo o caminho de uma resolução, desde que ela surge como uma ideia até o momento em que se torna um documento juridicamente vinculante.
O passo inicial
O primeiro passo é produzir uma minuta inicial, que pode ser patrocinada por um ou mais membros do Conselho.
A produção de um projeto inicial sobre uma crise como a de Gaza pode ser extensa e expandir-se para muito além dos 15 membros, de acordo com Nikolai Galkin, um oficial sênior de assuntos políticos da Divisão de Assuntos do Conselho de Segurança do Secretariado da ONU.
O processo normalmente começa com conselheiros da missão permanente do país junto à ONU em Nova Iorque, especializados no assunto em questão. Estes peritos podem realizar consultas com grupos regionais, com a nação afetada e outras partes interessadas, bem como representantes das delegações de outros membros do Conselho.
O objetivo é adotar por unanimidade ou por maioria uma resolução apelando à ação para pôr fim a um conflito, aprovar uma missão de manutenção da paz, impor sanções ou encaminhar um caso para a Corte Internacional de Justiça, CIJ. Todas essas opções fazem parte do mandato do Conselho de acordo com o Carta da ONU.
Nesta fase, o patrocinador do rascunho, ou “titular da caneta”, tentará muitas vezes incluir o maior número possível de vozes.
Um ‘rascunho zero’
Em seguida, a ideia inicial é transformada em um “rascunho zero”.
Isso significa que “nem é exatamente um rascunho ainda”, disse Galkin.
Pelo contrário, trata-se de um projeto produzido para colher comentários dos membros do Conselho, que o “titular da caneta” depois pede que sua equipe de especialistas inclua em uma nova versão.
Assim que o rascunho zero fica pronto, ele é distribuído, geralmente por e-mail. O “titular da caneta” então solicita mais informações dos membros do Conselho, coletando-as por e-mail, pessoalmente ou casualmente via WhatsApp.
Negociações e compromisso
É importante ressaltar que existem divergências. Para o rascunho zero de Gaza redigido pelos Emirados Árabes Unidos em dezembro de 2023, houve muita discordância sobre o termo “cessar-fogo”.
Algumas delegações afirmaram que apoiariam, ou não, a inclusão desse termo.
Em geral, as negociações funcionam para resolver as diferenças. Normalmente, as conversas são realizadas fora do Conselho e apenas em raras ocasiões os membros marcam uma discussão “informal” oficial na Sala de Consultas, situada num outro lado do corredor da câmara do Conselho.
Às vezes, os comentários sobre as propostas nem sequer são feitos em Nova Iorque, mas sim nas capitais dos países de origem dos membros.
O que fica “em azul”?
Após uma ou mais rodadas de discussões, o titular da caneta distribui uma versão final. No caso dos Emirados Árabes Unidos, o projeto finalizado de Gaza foi enviado para todos os membros da ONU, o que por vezes ocorre. Em 24 horas, 97 Estados-membros da ONU decidiram copatrocinar o texto.
Neste ponto, um rascunho revisado recebe um número de documento e o texto é formatado e publicado “em azul” para circulação por e-mail aos membros do Conselho.
Antes da pandemia da Covid-19, as minutas eram impressas em tinta azul e distribuídas para cada membro do Conselho e no balcão de documentos do órgão. Em uma abordagem mais ecologicamente correta, os rascunhos deixaram de ser impressos e agora são enviados por e-mail, mas nesses arquivos o texto ainda aparece em azul.
Por que azul? A razão remonta a décadas atrás quando acidentalmente uma máquina fotocopiadora no canto dos escritórios do Conselho de Segurança imprimiu pequenas quantidades de rascunhos para os 15 membros, e a única tinta disponível era azul.
Quando um texto está “em azul”, normalmente significa que o Conselho está pronto para agir. Isso geralmente acontece dentro de 24 horas antes da votação, quando uma reunião formal é convocada.
Votar e vetar
Em uma reunião aberta formal agendada, os membros reúnem-se em torno da icónica mesa em forma de ferradura da sala do Conselho de Segurança. O presidente, que é alternado a cada mês, abre a sessão e pede votação. Alguns poderão fazer declarações antes da votação, expressando as posições ou reservas da sua delegação. Alguns podem até introduzir alterações ao texto.
Então, é hora de agir. “Todos a favor, levantem a mão”, diz o presidente do Conselho.
Levantar as mãos ao redor da mesa indica votos a favor, contra e abstenções. São necessários pelo menos nove votos para que um projeto de resolução seja adotado, a menos que seja emitido um veto, um privilégio detido pelos cinco membros permanentes do Conselho: China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos.
O presidente procede então à leitura da votação final e o projeto é adotado ou rejeitado.
Do azul ao preto
A última etapa é a produção e circulação do documento finalizado, que é traduzido para as seis línguas oficiais da ONU: árabe, chinês, inglês, francês, russo e espanhol e publicado, em cor preta.
Todos os projetos, rejeitados ou adotados, são numerados e inseridos no sistema de documentos da ONU.
Para aqueles que procuram rascunhos do passado, Galkin disse que, nos próximos meses, novas medidas estão em andamento para tornar mais fácil encontrar todos os projetos de resolução, rejeitados ou adotados, no site do Conselho de Segurança da ONU.