As divergências apresentadas pela diplomacia da Argentina, hoje sob o governo de Javier Milei, bloquearam o consenso para uma declaração final do Mercosul e de seus Estados associados na cúpula realizada nesta segunda-feira (8) em Assunção, capital do Paraguai.
O bloco é formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e agora Bolívia, que finalizou os trâmites de seu ingresso, e tem como Estados associados Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname.
É de praxe que ao final de cúpulas que reúnem chefes de Estado, como esta, sejam adotadas duas declarações. Uma apenas dos países-membros. Outra, incluindo os associados. Desta vez, será apenas uma.
O presidente paraguaio, Santiago Peña, que encerra agora sua liderança rotativa do Mercosul e a passa para o Uruguai, afirmou em seu discurso final que a resolução dos chefes de Estado foi feita com uma “perseverança inflexível e muita plasticidade”, demonstrativo do desafio nos debates. Este texto ainda não foi tornado público.
Ele então colocou para votação a declaração que agregava também os associados. E logo a tirou do debate —não havia consenso.
O ponto de conflito foi o embargo argentino a temas como gênero e Agenda 2030, o plano de sustentabilidade global das Nações Unidas, segundo a reportagem confirmou com interlocutores que participam das conversas.
O membro que mais contrariou a posição argentina foi o Brasil, com o presidente Lula (PT) e pelo chanceler Mauro Vieira. Na ausência do presidente Javier Milei, a delegação argentina foi liderada pela chanceler Diana Mondino. O Brasil não aceitou abrir margem para a agenda argentina, por muitos descrita como ultraconservadora.
É um tema que vem se arrastando ao longo das últimas semanas, conforme a Folha relatou em reportagem, e que agora se expressou no bloco sul-americano que dá sinais de cansaço constantes.
Nos corredores do evento, os poucos membros da delegação argentina que aceitam conversar sobre o tema expressam que as relações com o Brasil seguem as mesmas. As arestas, porém, ficam evidentes, com o próprio presidente Lula fazendo menção em seu discurso às posições argentinas, ainda que sem mencionar o país de Milei.
Ele enfatizou, por exemplo, a importância de trazer temáticas de gênero para as declarações de órgãos multilaterais.
Tudo ocorre um dia após Javier Milei discursar em uma conferência conservadora em Santa Catarina. Após temores e pressões das duas diplomacias de que ele mencionasse Lula, seu desafeto, ou o destratasse verbalmente em solo brasileiro, Milei não mencionou o petista.
Ele descreveu em seu discurso o que acredita serem os “males do socialismo do século 21”. Repetiu trechos de falas que já fez em outros eventos, sempre com seu mote de liberdade, e disse que líderes socialistas enriquecem a si e a suas famílias às custas da população.
Conflitos nos textos finais do Mercosul não são de todo incomuns. No ano passado, por exemplo, o Uruguai ficou de fora do texto final dos países-membros e apresentou, sozinho, a sua resolução. Foi o ápice dos conflitos de Montevidéu com o bloco sul-americano devido a seus planos de firmar um acordo de livre-comércio com a China por fora do Mercosul.
Neste ano, o foco está voltado para a tensão no entorno argentino, que não apenas pleiteia uma revisão da institucionalidade e do orçamento do bloco como também, ao não ser representado pelo presidente Milei, enviou um sinal de vê o Mercosul como algo de menor importância.