Na aparência, o primeiro fim de semana das férias escolares de verão na França foi igual a todos os outros. Neste ano, porém, houve uma diferença importante. Os franceses pegaram a estrada, mas 3,3 milhões deles deixaram para trás votos por procuração para o segundo turno das eleições legislativas, neste domingo (7). Na França, o voto é facultativo, mas é permitido autorizar alguém a votar em seu lugar.
O número recorde de votos por procuração —quatro vezes maior que na eleição anterior, em 2022— demonstra o grande interesse despertado por este pleito fora de época, que pode levar a ultradireita ao poder na França pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
A taxa de participação às 12h de Paris (7h da manhã em Brasília) já estava em 26,6% do eleitorado. Isso permite prever que no fechamento das urnas, às 20h, o total ultrapasse os 66,7% de comparecimento de uma semana atrás, no primeiro turno.
O presidente Emmanuel Macron, 46, e a primeira-dama Brigitte, 71, votaram às 12h30 do horário local (7h30 em Brasília) no balneário de Le Touquet, no norte da França, onde eles têm uma residência de veraneio. Depois de votar, Macron cumprimentou e tirou fotos com eleitores.
Uma pesquisa da Ipsos, realizada no domingo passado, mostrou que a baixa abstenção ocorre tanto entre os eleitores da ultradireita, empolgados com a perspectiva de vitória, quanto entre os de centro e de esquerda, temerosos de que Jordan Bardella, 28, presidente da Reunião Nacional (RN), torne-se premiê.
As pesquisas também apontam que a RN se tornará o maior grupo na Assembleia, distante, porém, da maioria absoluta, 289 dos 577 deputados —e Bardella já disse que não governará sem ter maioria.
Segundo a Ipsos, a ultradireita terá um máximo de 205 cadeiras, contra até 175 da Nova Frente Popular, coalizão de esquerda, e até 148 do Juntos, o bloco de centro do presidente Emmanuel Macron. Isso pode levar a um impasse até a definição do primeiro-ministro que sucederá o centrista Gabriel Attal.
O Ministério da Justiça anunciou um contingente excepcional de 30 mil policiais nas ruas francesas neste domingo, devido ao temor de quebra-quebra após o anúncio dos primeiros resultados —o clima durante a semana foi de alta polarização.
Nos últimos dias, centenas de intelectuais, artistas, jornalistas e esportistas se pronunciaram publicamente por uma “frente republicana” que impeça a vitória da RN. A Folha ouviu algumas dessas personalidades esta semana na Praça da República, tradicional ponto de manifestações políticas na capital francesa.
O jornalista Edwy Plenel, ex-diretor de redação do jornal Le Monde e fundador do site de jornalismo investigativo Médiapart, qualificou de irresponsável a decisão de Macron de dissolver a Assembleia Nacional e convocar a eleição, após o mau resultado no pleito para o Parlamento Europeu, no início de junho.
“A oposição [de esquerda] não teve tempo de se organizar de verdade. [Macron] é como um juiz de futebol que diz ao time que ganhou uma partida: ‘segue o jogo, a bola está no seu pé, pode fazer outro gol’. E é bem possível que a extrema direita faça esse gol”, comparou Plenel.
Para ele, o risco é que chegue ao poder um grupo político “apoiado pelo imperialismo russo, um regime neofascista que apoia madame Le Pen”. Ele se refere à líder da RN, Marine Le Pen, 55, que declarava publicamente sua admiração pelo líder russo, Vladimir Putin, até a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022.
Plenel advertiu para o risco de três dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas —Rússia, França e EUA— passarem a ter governos antidemocráticos, em caso de vitória do partido de Le Pen na eleição legislativa francesa e do republicano Donald Trump na eleição presidencial americana, em novembro.
Julia Cagé, uma das economistas mais respeitadas da França, disse à reportagem que a vitória da RN “será catastrófica sob todos os pontos de vista”.
“Veja o que aconteceu no Brasil com Bolsonaro”, afirmou Cagé, autora de um livro sobre a história eleitoral francesa, escrito com o marido, Thomas Piketty, outro economista de renome. “Será um desastre para a universidade, para a liberdade de pensamento, para a independência da mídia, para os direitos das mulheres.”
Alguns jogadores da seleção francesa de futebol masculino, atualmente disputando a Eurocopa na Alemanha, conclamaram os eleitores a votar contra a ultradireita. Entre eles, o maior ídolo da França, Kylian Mbappé, e o atacante Marcus Thuram.
O pai de Marcus é Lilian Thuram, campeão mundial com a França em 1998 e conhecido pelo engajamento político. À Folha, Lilian disse se orgulhar pelo posicionamento do filho. “Na minha época, Jean-Marie Le Pen [pai de Marine e fundador da RN] já dizia que na seleção francesa havia jogadores demais com a pele negra. Não há nada de novo. A ideia da RN é dizer que, se você não é branco, você não é totalmente francês.”