De passagem pelo Laos, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, repetiu o que se espera dele em tempos de rivalidade sino-americana. Aos líderes da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean), usou boa parte do discurso não para destacar o que Washington tinha a oferecer aos parceiros por lá, mas os riscos representados pela China.
Os EUA estavam “muito preocupados” com o que ele chamou de atividades “perigosas e ilegais” chinesas nas águas do mar do Sul da China. Blinken disse que Pequim, que há meses tem disparado canhões de água contra embarcações que considera invasoras, “contradiz os compromissos com a resolução pacífica de disputas”.
Já expliquei por aqui as origens do problema, em uma coluna em julho do ano passado, mas convém refrescar a memória do leitor sobre como o mar do Sul da China voltou às páginas dos jornais e às rodas de conversas diplomáticas Ásia afora. Afinal, a disputa pelas águas dali são mais antigas que o próprio governo comunista: então por que só nos últimos anos se tornou tão perigosa?
Os relatos de que Pequim considerava retomar a disputa começaram a surgir em 2012. Havia ilhas artificiais e bancos de areia sendo construídos pelos chineses, o que tecnicamente os permitiria expandir suas fronteiras e alegar que toda a área fazia parte da sua zona econômica exclusiva.
A Casa Branca tornou este um dos temas centrais da visita de Estado de Xi Jinping a Washington em 2015. Xi então se comprometeu a não militarizar a disputa e, ato contínuo, retirou embarcações chinesas do atol de Scarborough. Esperava lidar com o tema na esfera diplomática, talvez até com mediação dos próprios americanos.
Mas Obama dobrou a aposta —nem um mês depois, o Pentágono anunciou que seus jatos A-10 passariam a voar pela região para criar “consciência situacional aérea e marítima” da situação. Isso fez a China abandonar quaisquer ilusões de que teria suas reclamações consideradas pelos EUA. Xi logo quebrou a promessa e começou a espalhar instalações militares ao longo de várias porções das ilhas Spratly. O resto é história.
Em 2016, a Corte Permanente de Arbitragem em Haia deu razão às Filipinas e determinou que as evidências históricas apontadas pelos chineses para reclamar o mar não tinham base legal. Mas ao contrário do que muitos repetem, a decisão nunca analisou o mérito porque este tribunal, ao contrário da Corte Internacional de Justiça ou do Tribunal Internacional do Direito do Mar, não julga questões de soberania.
Manila só conseguiu ter o caso analisado porque debateu os recursos marítimos dali, não qual país é dono do quê. Isso porque não disputa os direitos de exploração apenas com os chineses: por séculos, as fronteiras são controversas para também Vietnã, Brunei, Indonésia, Malásia e até Taiwan.
Discutir o que tornou o mar do Sul da China uma questão central na competição entre Washington e Pequim tem um tom de “o que veio primeiro, o ovo ou a galinha?”, mas há de se reconhecer que Obama perdeu uma janela para resolver a pendência através da conversa. Enviar Blinken agora para defender “resolução pacífica de disputas” não ajuda ninguém —não diminui as suspeitas chinesas e só faz aumentar a militarização.
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