A redução do limite de velocidade para 30 km/h nas ruas de Bolonha, no norte da Itália, é uma batalha cultural, nas palavras do prefeito, Matteo Lepore. “Precisa fazer as pessoas entenderem que esta é a diferença entre a vida e a morte“, afirma à Folha.
Implementada em julho de 2023, a medida, que atinge 70% das vias, começou para valer em janeiro deste ano, quando as multas passaram a ser aplicadas. Seis meses depois, em julho, Bolonha havia registrado queda de 10,8% no total de acidentes, 11,6% no número de feridos e 33,3% no de mortos. No período, diminuiu a poluição ligada ao tráfego (-23%) e cresceram os deslocamentos com bicicleta (+12%).
Até chegarem esses dados positivos, a grita foi grande. Na União Europeia, a Itália tem o mais alto índice de carros, com 684 veículos para cada mil habitantes. Bolonha fica no Motor Valley (vale dos motores), berço de ícones da indústria automobilística, como Ferrari, Lamborghini e Maserati, e abriga o autódromo de Ímola.
Parte dos moradores e dos políticos fez campanha contra a medida, como o vice-premiê Matteo Salvini, ministro dos Transportes, da ultradireita. Ainda hoje, partidos de oposição tentam derrubar o programa por meio de um referendo, ainda não confirmado.
O prefeito Lepore, do Partido Democrático (centro-esquerda), diz acreditar que o pior já tenha passado. “No início, tivemos queda de aprovação [entre os eleitores]. Agora, com os resultados, recuperamos a relação com a população. É presumível que algumas escolhas sejam impopulares. Mas a longo prazo compensam.”
O projeto Città 30, como é chamado, fez parte do programa de Lepore para a eleição, em 2021, mesmo ano em que a OMS (Organização Mundial da Saúde) lançou uma campanha mundial pela redução das velocidades para 30 km/h nas áreas urbanas. Ao aderir, Bolonha entrou para uma lista de municípios europeus que inclui Zurique, Madri, Londres e Bruxelas.
Segundo o urbanista Matteo Dondé, que colaborou com o projeto de Bolonha, o esforço da OMS fez acelerar o interesse de prefeituras pela diminuição da velocidade. “Todas as experiências trazem os mesmos bons resultados de Bolonha.”
Na cidade italiana, a revisão do espaço público inclui reforma de calçadas, ciclovias, áreas verdes e para pedestres, além de investimento em transporte público e meios compartilhados, como bicicletas e scooters elétricas. O custo da adaptação das ruas é estimado em € 24 milhões (R$ 145 milhões) em três anos. Nos primeiros seis meses de implementação não houve cobrança de multas, que variam de € 29,40 a € 845 (R$ 175 a R$ 5.120), a depender do excesso de velocidade.
Bolonha tem 390 mil habitantes, 140 km² de superfície e taxa de 53,3 carros a cada 100 habitantes. Já São Paulo, dez vezes maior em área e quase 30 vezes maior em população, tem 76,5 veículos a cada 100 habitantes. Apesar de a capital paulista enfrentar alta de mortes no trânsito, o tema tem sido tratado de forma lateral entre os candidatos à Prefeitura, e a redução da velocidade foi descartada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) e por Guilherme Boulos (PSOL).
Questionados pela reportagem se o projeto Città 30 poderia ser aplicado em uma cidade com as características de São Paulo, tanto o prefeito Lepore quanto o urbanista Dondé disseram que sim. “Em larga escala, o melhor exemplo é Londres, que introduziu o limite de 20 milhas por hora (32 km/h) no centro e está ampliando”, diz Lepore.
“É possível introduzir a ‘cidade 30’ em qualquer lugar do mundo. Claro que, em uma metrópole como São Paulo, não quer dizer transformar a cidade inteira em 30 km/h, mas reduzir a velocidade nos bairros, onde as pessoas andam a pé, e deixar a 50 km/h a viabilidade principal, aquela que distribui os veículos pela cidade”, afirma Dondé.
Para superar resistências e encarar a “batalha cultural”, o importante, diz, é começar a fazer algo palpável. “Hoje há muita desconfiança na política e nos técnicos, e só com palavra é difícil convencer. Uma idosa que consegue atravessar a rua de modo seguro entende na hora quais são as vantagens.”