A futura saída de Andrés Manuel López Obrador da Presidência do México, em outubro, após cumprir seis anos de governo, vai retirar do xadrez da política latino-americana um dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nessa região.
A candidata de AMLO, como ele é conhecido, é favorita para vencer as eleições de 2 de junho. Mas Claudia Sheinbaum não é exatamente a expressão da identidade política que aproxima Lula do líder mexicano.
Mais sóbria, comedida e, para muitos, com menos carisma que o padrinho, a ex-chefe de governo da Cidade do México (cargo similar ao de governadora) não vende a imagem de líder próxima da classe trabalhadora. É uma acadêmica de perfil mais distante.
A trajetória eleitoral de Lula e AMLO também os une. Ambos tentaram mais de uma vez chegar à Presidência antes de conseguirem triunfar nas urnas —o mexicano duas vezes (nas eleições de 2006 e 2012) e Lula, três (nos pleitos de 1989, 1994 e 1998).
Ainda que não tenham se encontrado presencialmente desde que Lula iniciou o terceiro mandato, já conversaram mais de uma vez por telefone e fizeram inúmeras menções um ao outro em discursos e nas redes sociais, invariavelmente referindo-se como amigos. O governo Lula tenta viabilizar uma viagem oficial ainda neste ano.
Lula e AMLO estiveram juntos na Cidade do México em 2022. O petista ainda não havia oficializado sua candidatura à Presidência, mas isso já era amplamente esperado. A cúpula do PT disse, à época, que a ocasião era para “enfrentar o neoliberalismo” na região.
Talvez a principal bandeira que os aproxima seja a do combate à pobreza. Lula é internacionalmente conhecido por essa agenda e busca viabilizar uma aliança global contra a fome e a pobreza antes de receber a cúpula de chefes de Estado do G20, no Rio, em novembro; AMLO, por sua vez, propagandeia o fato de ter diminuído os níveis desse indicador no México em seu sexênio no poder.
Segundo dados oficiais, a parcela em situação de pobreza no México teria diminuído para 36,3% em 2022, os últimos dados disponíveis, contra 41,9% em 2018, ano em que López Obrador assumiu o governo. Isso ignorando o pandêmico 2020, quando o índice chegou a 43,9%.
Os números são questionados por alguns especialistas. Um dos motivos é o fato de a diminuição substancial ter ocorrido na pobreza moderada (de 34,9% a 29,3%) e não na pobreza extrema, que ficou praticamente estável (de 7% para 7,1%), nesta comparação. Outros questionamentos envolvem a metodologia da pesquisa, realizada a cada dois anos —os dados de 2024 serão conhecidos, assim, em 2025.
AMLO se distancia, porém, nos ataques reiterados à imprensa mexicana e a opositores em seu mandato. Ele também conduziu uma agenda nacionalista que reduziu drasticamente o espaço para a iniciativa privada em setores como o de eletricidade.
Para alguns analistas, a vitória expressiva de López Obrador em 2018 foi vista como a retomada da chamada “onda rosa” —a influência da esquerda— na América Latina. O triunfo, afinal, sucedia derrotas de esquerdistas em países como Argentina e Chile e o impeachment de Dilma Rousseff no Brasil.
Se uma surpresa ocorrer em 2 de junho e a opositora Xóchitl Gálvez, uma ex-senadora indígena, for eleita, seria mais um revés na região —o mais recente foi a vitória de Javier Milei contra o peronismo na Argentina em 2023.
Diplomaticamente, membros da equipe de Xóchitl (lê-se ”sótil”) disseram à reportagem na Cidade do México que querem trabalhar com Lula. Um deles, porém, fez uma ponderação mais fora da curva.
Secretário de Economia de 2012 a 2018, o hoje deputado federal Idelfonso Guajardo, uma das principais figuras da campanha, disse que a oposição “dava por perdida qualquer aproximação com o governo Lula precisamente pela proximidade com López Obrador”. Mas afirmou que “os posicionamentos recentes de Lula abriram uma janela de oportunidade para não desperdiçar a tentativa”.
Guajardo se referia às críticas de Lula ao bloqueio da candidatura de opositores nas eleições presidenciais da Venezuela, em julho. “Isso mostra muito bem o presidente Lula como um social-democrata.”
O assessor de Xóchitl apontou também para o que vê como falta de liderança de AMLO na América Latina. Disse que o mexicano desperdiçou a oportunidade, e Lula assumiu a dianteira. A despeito da crítica, historicamente o México se alinha de forma prioritária a seu vizinho do norte, os Estados Unidos, e aos países da América Central, onde tem forte influência.
A balança comercial Brasil-México é tímida. Segundo dados do Banco Central do México, o Brasil representou apenas 2,26% das importações do país em 2023 e 0,76% do destino das exportações mexicanas.
Apenas um setor se destacou no ano passado: a exportação do frango brasileiro. O volume comprado pelo México totalizou US$ 426 milhões, aumento de 152% em relação a 2021, ano em que o governo AMLO implementou um programa que elimina tarifas de algumas importações para combater a inflação na cesta básica. Exportadores brasileiros foram alguns dos que mais se beneficiaram. O plano dura até pelo menos dezembro deste ano, podendo ser prorrogado.
A jornalista viajou a convite da Fundação Konrad Adenauer (KAS)